Os sindicatos estão retornando às páginas políticas, e, por várias razões, não há nada de imprevisto nisso. A primeira delas é a de que eles sempre fizeram parte, em lugar estratégico, da construção da moderna ordem capitalista brasileira, não apenas como base passiva do seu desenvolvimento, mas como protagonistas de momentos determinantes da sua história. Não se pode contar os episódios da montagem da indústria de base sem a participação política dos sindicatos, muito particularmente nas lutas pela criação das indústrias da siderurgia e do petróleo. E, mais recentemente, narrar a conquista da democracia política, consagrada pela Carta de 1988, sem se deter na história dos metalúrgicos do ABC e do sindicalismo da época.
O empreendimento para as tarefas da modernização do país, sob a forma autoritária com que foi concebido e realizado, em especial após a institucionalização do Estado Novo, em 1937, teve como um dos seus pontos de partida, como é largamente sabido, a regulação pela lei dos sindicatos e dos direitos trabalhistas, consolidados, em 1943, pela CLT. Era mais do que uma frase denominar o Ministério do Trabalho como o "ministério da Revolução". Pela Carta de 1937, aos sindicatos delegaram-se papéis de caráter público, convertendo-os em correias de transmissão da vontade do Estado às massas dos trabalhadores, que deviam se alinhar "ao pensamento dos interesses da Nação".
Com essas marcas institucionais, defendidas pelo Ministério do Trabalho e pelo recém-criado aparato do judiciário trabalhista, o sindicalismo perdeu autonomia, figura da fórmula corporativa com que as elites estatais davam curso à sua empreitada de nos trazer "por cima" o moderno e a modernização. A tutela de que eram objeto se fazia compensar não só pela legislação de amparo ao trabalho, mas também por meio de forte manipulação simbólica, instalando-se um culto oficial de consagração do trabalho e do trabalhador. O paradoxo da situação foi o de que, ao se interditar a política aos sindicatos, eles foram expostos a ela, embora de modo inteiramente subordinado, com a sua conversão em agências paraestatais. O fato é que esse tipo de construção tornou-os mais próximos da dimensão do público do que da de mercado, e esse traço, de algum modo, vai se instalar no seu DNA institucional.
Findo o Estado Novo, a Carta de 1946 preservou, "sem a ganga autoritária", no dizer de um jurista de então, as linhas mestras da legislação anterior, mas, naquela nova circunstância de liberdades civis e de avanços nas liberdades públicas, o sindicalismo inicia uma fase de crescentes postulações por autonomia diante dos controles exercidos sobre eles, com base em um duplo movimento: agindo no campo propriamente sindical, de um lado, e, de outro, a partir de suas intervenções no interior do Estado, onde estava instalado em algumas posições-chave, notadamente no sistema previdenciário.
Nessas ações, atuavam amparados por partidos, alguns ocupando posições influentes no aparato estatal. Sob a presidência de João Goulart, dirigente do PTB, começa a se inverter a relação entre sindicatos e Estado: eles passam a invadir, levando com eles suas políticas, o sistema construído para tutelá-los. Goulart chegou a ser acusado de pretender instalar uma república sindicalista no país.
O regime militar, que alterou minimamente a legislação, baniu a presença dos trabalhadores do interior do Estado e exerceu cerrado controle das atividades sindicais que já não dispunham, no mundo da política, com os partidos que antes lhes apoiavam, todos dissolvidos por ato discricionário. Naquele contexto desfavorável, o retorno à vida dos sindicatos não virá da política, mas de suas ações no mercado, em que se notabilizou, sob a liderança de Lula, o sindicalismo da ABC, que contestava a legislação da CLT em nome da autonomia dos trabalhadores.
Tal orientação política do sindicalismo, que o PT herdou das lutas sindicais do ABC, se não foi abandonada, foi deixada em segundo plano nos dois mandatos de FHC, apesar das vizinhanças doutrinárias entre o PT e o PSDB em matéria da legislação sindical, ambos contrários ao princípio da unicidade. Na oposição ao governo de FHC, contudo, o PT, ao caracterizar as suas propostas de reformas, entre elas a sindical e a trabalhista, como atentatórias a direitos dos trabalhadores, começa a deslizar da sua denúncia da CLT para uma admissão implícita, ao menos como movimento tático e circunstancial, da necessidade da sua permanência.
Tal mudança de posições, porém, se consolida, igualmente por razões instrumentais, no primeiro mandato presidencial de Lula, com a legislação que disciplina sobre as centrais sindicais, a que se acrescenta a abertura do Estado à sua participação, como no caso, em 2007, das próprias negociações que culminaram com a atual regulação do salário mínimo. Com isso, o sindicalismo se unifica, reabilitando-se, no curso do governo Lula, as práticas e os quadros com origens e motivações diversas das que vieram à luz com a emergência do sindicalismo do ABC.
A questão do mínimo salarial, ora contrapondo sindicatos ao governo, tem aí suas origens, e as disputas sobre o valor a ser estipulado não tem o seu valor de face. O que as centrais querem é o seu lugar de volta no interior do Estado, que entendem que o governo Dilma lhes recusa. Sua memória de tempos idos, reavivada por sua prática nos oito anos de governo Lula, em nada sugere que aceitem, sem resistência, serem enviados de volta ao mundo do mercado e ao prosaico cotidiano sindical. Inclusive porque, agora, estão mais fortes, de uma perspectiva puramente sindical, do que em qualquer outro momento da sua história, e também porque foi o próprio PT, partido governante, quem declinou de sua proposta de reforma sindical, que sinalizava para outros caminhos.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador da PUC-Rio. Escreve às segundas-feiras
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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