O Estado de S.Paulo - 14/02/11
Não sei se repararam, mas convém registrar: o famoso tripé de política econômica está em pleno funcionamento neste início do governo Dilma.
O governo federal anuncia uma contenção de gastos para fazer um superávit primário (e assim reduzir a dívida pública líquida) e para ajudar no combate à inflação, cumprindo assim o espírito e a letra da Lei de Responsabilidade Fiscal e seus complementos.
O Banco Central, agindo com autonomia, está em um processo de alta da taxa básica de juros, para trazer a inflação de volta ao centro da meta.
O Banco Central e o Tesouro compram dólares no mercado, a moeda excedente num sistema de flutuação da taxa de câmbio.
A primeira perna do tripé é de 1998. As outras duas, regime de metas de inflação e câmbio flutuante, são de 1999. Toda a construção, portanto, deu-se no governo de Fernando Henrique Cardoso, sob a liderança de Pedro Malan, ministro da Fazenda naqueles oito anos. Foi mantida e reforçada no primeiro governo Lula, meio avacalhada no final do segundo mandato e, agora, parece, está sendo reforçada nos seus fundamentos.
Por exemplo: o governo de Dilma Rousseff está comprometido com uma meta de superávit primária "cheia", sem descontos e sem artifícios contábeis. Ou seja, sem as manobras dos últimos dois anos, comandadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.
O Banco Central também vacilou no final do ano passado. Em pleno processo eleitoral, interrompeu um ciclo de alta de juros, em setembro, alterando abruptamente sua interpretação da realidade econômica. Depois de seguidas análises apontando a força da inflação, o Banco Central de Henrique Meirelles mudou, sem prévio aviso, para uma visão mais benigna - a alta de preços seria episódica, passageira - de modo que a dose de juros poderia ser suspensa. Surpreendeu o mercado e deixou no ar a suspeita de que a mudança se dera por razões políticas.
De todo modo, prevaleceu então a tese de Guido Mantega nos dois pontos. O Banco Central não precisaria mais elevar juros - nem o governo precisaria conter seus gastos, pois, tal o argumento central, não haveria excesso de demanda (consumo) na economia brasileira. Com juros parados, o governo acelerou seus gastos, roubou na contabilidade para adequar as contas aos requisitos da responsabilidade fiscal e... Lula fez a sucessora.
Começa o governo Dilma, e o que temos? O Banco Central, fazendo séria advertência sobre a virulência da alta de preços - demanda muito aquecida! -, começa a elevar juros e diz que um ajuste fiscal é peça essencial para colocar a inflação na meta. Passo seguinte: Guido Mantega e a ministra Miriam Belchior, da Pasta do Planejamento, anunciam um corte de gastos públicos "com dor".
No caso do Banco Central, a gente já está vendo para crer. O Comitê de Política Monetária, o Copom, elevou os juros na primeira reunião da era Dilma e, mais que isso, escreveu que outras altas se seguirão.
No caso do corte de gastos, anunciado na quarta passada, logo depois de um índice horroroso de inflação - o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, em 12 meses, chegou a 6%, só um pouquinho abaixo do teto de tolerância (6,5%) -, o pessoal desconfiou.
Espera para ver duas coisas. Primeira: onde serão os cortes, pois os ministros deram apenas o número total (menos R$ 50 bilhões) e indicações vagas de que reduzirão alguns itens, como despesas de viagem. É pouco.
Reparem: o mercado entende que há limites para o corte, aceita que o gasto total de 2011 seja maior que o do ano passado (a redução se dará sobre a previsão de despesas aprovada pelo Congresso) e afirma que essa política já será de boa ajuda, caso os gastos cresçam menos que o Produto Interno Bruto (PIB).
E daí vem a segunda desconfiança: será que o governo vai mesmo cumprir o corte prometido?
Muitos poderão dizer: é má vontade com o novo governo. Não é. A desconfiança faz sentido. Esse ajuste fiscal está sendo feito por autoridades (Mantega e Belchior) que já declararam, no passado, não acreditar nesse tipo de política. E Mantega, nos últimos dois anos, atropelou, na prática, essa proposta.
A credibilidade do Banco Central também está abalada. Menos, mas está. Tanto que os cenários do mercado têm sido mais pessimistas do que o da autoridade monetária. O Banco Central eleva juros, o governo federal promete austeridade, mas o mercado tem elevado a previsão de inflação e de juros.
Confiança é difícil de conquistar e fácil de perder. Ou, como se lê em Guimarães Rosa, "confiança - o senhor sabe - não vem das coisa feitas ou perfeitas: ela rodeia, é o quente das pessoas".
E quando há desconfiança na capacidade ou na disposição do governo de aplicar uma política econômica restritiva, esta tem de ser ainda mais restritiva. Ou seja, juros maiores, cortes maiores e sem vacilações. Por exemplo, a presidente Dilma não pode ceder nem que seja um real no salário mínimo.
A ver.
Ajuste espanhol. Na Espanha, o governo Zapatero (socialista) acaba de fazer um acordo com as duas centrais sindicais para uma nova reforma da previdência. Pesada: aumenta a idade mínima de aposentadoria (de 65 para 67 anos), eleva o tempo de contribuição e reduz o valor do benefício. Isso porque, se nada for feito, o sistema lá entra em déficit neste ano.
Aqui o déficit previdenciário já é elevado, aproxima-se dos R$ 100 bilhões, somando INSS e setor público, e continua-se a empurrar o problema para os nossos filhos e netos.
Entrevista:O Estado inteligente
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