- é perder tempo em embates menores, combates internos fantasmas ou
antecipações irrealistas, como trazer 2014 para hoje, inventando
bandas de adversários... internos! Atacar, constranger, prejudicar ou
atrapalhar companheiros do próprio partido só faz ajudar os
adversários reais, que incentivam esses confrontos.
Para o maior partido da oposição, perder-se em disputas internas seria
apequenar-se. Saímos das urnas com quase 44 milhões de votos, vencendo
a eleição presidencial em 11 estados. O PSDB fez oito governadores; o
DEM, dois, e tivemos ainda o apoio do governador de Mato Grosso do
Sul. Aqueles que votaram em nós queriam que ganhássemos, mas sabiam
que podíamos perder. A oposição, portanto, é tão legítima quanto o
governo; ela também expressa a vontade do eleitor e tem um mandato.
Não podemos deixar o eleitorado que nos apoiou sem representação. É
ele, inicialmente, que precisa receber uma resposta e convencer-se de
que não jogou seu voto fora. Até porque as ditaduras também têm
governos, mas só as democracias contam com quem possa vigiá-los,
fiscalizá-los, em nome do eleitor. Por isso a oposição tem de ter
posições claras, ser ativa, sem se omitir nem se amedrontar. Uma
eleição presidencial não é uma corrida de curta duração, de 45 dias,
mas uma maratona de quatro anos. E ninguém corre parado.
Até quem votou no PT conta conosco para que ofereçamos alternativas,
para que possamos aprimorar propostas do governo e denunciar, quando é
(e como está sendo) o caso, a falta de rumo. Não se trata de fazer
oposição sistemática ou não sistemática, bondosa ou exigente. Isso é
bobagem! Essa questão não se coloca em nenhuma grande democracia do
mundo. A oposição tem o direito e o dever de expressar seus pontos de
vista e de batalhar por eles. É seu papel cobrar coerência, eficiência
e honestidade.
A realidade está aí. O grave problema fiscal brasileiro veio à luz,
herança do governo Lula-Dilma para o governo Dilma. A maquiagem nas
contas não consegue escondê-lo. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa)
se transformou no retrato perverso do aparelhamento do Estado, que não
se vexa nem diante da realidade dramática da saúde - ou falta dela -
dos pobres. O mesmo acontece em Furnas, palco de escândalos há muitos
anos, expressão do loteamento do setor elétrico, onde os blecautes têm
sido a regra, não a exceção. Se a oposição não se fizer presente
agora, então quando?
Fazer oposição por quê? Porque o país experimenta um óbvio
desequilíbrio macroeconômico, que reúne inflação alta e em alta, juros
estratosféricos, câmbio desajustado, vertiginoso déficit do balanço de
pagamentos e infraestrutura em colapso. As trapalhadas do Enem mostram
que o PT tripudia sobre a esperança e o futuro dos jovens. A imperícia
do governo na prevenção de catástrofes e socorro às vítimas não requer
comprovação. Por que fazer oposição? Porque os brasileiros merecem um
governo melhor e pagam caro por isso - uma das maiores cargas
tributárias do mundo, sem serviços públicos à altura. Temos o direito
de nos apequenar com picuinhas? Foi para isso que recebemos um mandato
das urnas?
O governo vem fazendo acenos à classe média e às oposições. Conta com
o conhecido bom-mocismo dos adversários, tucanos à frente. Sua
intenção é lhes tirar nitidez e personalidade, dividi-los e
subtrair-lhes energia e disposição. Até a próxima disputa eleitoral,
quando, então, voltaremos a enfrentar os métodos de sempre: vale-tudo,
enganações, bravatas e calúnias. Cair nesse truque corresponde a trair
a confiança dos que votaram em nós e os interesses do nosso povo e do
país.
O PSDB não sabe fazer oposição! Tanto em 2006 como em 2010, pesquisas
internas apontaram ser essa uma das críticas que o eleitorado nos faz.
Ainda que fosse injusta, seria forçoso reconhecer que nos tem faltado
nitidez. É razoável que o eleitor considere que não sabe governar quem
não sabe se opor.
E nós temos os bons fundamentos! A quem pertence a bandeira da
social-democracia no Brasil? O PT, fundado como um partido classista,
sob a inspiração de partidos leninistas, varreu estatuto e ideário
para baixo do tapete ao chegar ao poder e adotou como suas a
plataforma e as ideias do adversário. Mas, longe de estar resolvida,
após seis eleições presidenciais, sendo três vitoriosas, e dois
governos depois, a contradição entre os "pragmáticos do mercado" e os
"puros-sangues de Lenin" ainda é um dos flancos do PT não devidamente
explorados pela oposição, para prejuízo do país.
O PT adotou as bandeiras, mas perverteu sua prática. Privatizou as
ações do Estado em benefício do partido e aliados. Banalizou o que a
vida pública brasileira tinha de pior. Rebaixou a Saúde e a Educação.
Transformou em instrumento eleitoral a rede de proteção social herdada
do governo FHC. Virou as costas para a Segurança e descuidou-se da
Previdência. A falsa "social-democracia" petista preside um processo
de desindustrialização do Brasil e mantém como principal despesa do
orçamento o pagamento de R$180 bilhões anuais em serviço da dívida
pública interna. Sem mencionar erros infantis, como o de reconhecer a
China como economia de mercado, enfraquecendo nossos mecanismos de
defesa comercial. Que social-democracia é essa, que pôs a perder o
ativismo governamental nas coisas essenciais, que caracteriza o Estado
do Bem-Estar Social e seus alicerces?
Essa retomada dos valores da social-democracia, com seu respeito ao
jogo democrático e sua prioridade à garantia de condições dignas de
vida à população, há de tirar do PSDB o falso carimbo de partido da
elite e marcar diferença com o PT, com suas práticas sectárias e/ou
ineptas.
Para tanto, é fundamental ao PSDB fortalecer a unidade interna, dando
uma resposta àqueles que nos delegaram um mandato por meio das urnas.
Estou, como sempre, a serviço da população. Ajudei a definir as
bandeiras históricas do meu partido e sua renovação. Por elas e pela
unidade, batalhei sempre. Ninguém andará em má companhia seguindo os
Dez Mandamentos. Para quem está na política, sugiro um 11º, este de
inspiração humana, não divina: "Não ajudarás o adversário atacando teu
colega de partido."
JOSÉ SERRA foi deputado, senador, prefeito e governador de São Paulo.
O Globo - 10/02/2011