O governo parece ter sido apanhado de surpresa com a baixa
credibilidade suscitada por seu pacote de cortes no Orçamento da
União.
O fato é que, depois de tanta tergiversação e da manipulação das
contas públicas como as que ocorreram no ano passado, não dá mesmo
para acreditar, sem provas materiais adicionais, em tudo o que repetem
os ministros da área econômica.
O que houve foi o anúncio de que viria uma redução de despesas
correntes de R$ 50 bilhões (ou 2,7%) no Orçamento aprovado pelo
Congresso. Mas os detentores do tesourão oficial ainda não foram
capazes de dizer onde aconteceria e isso já é, por si só, fator de
incerteza. Não é com afirmações de que será reduzido o ritmo de
viagens internacionais e suspensos concursos para preenchimento de
vagas no funcionalismo público que teremos compressão das despesas
públicas em magnitude suficiente para evitar que "a inflação extrapole
a meta" de 4,5% neste ano.
Convém observar que não é apenas a área da Fazenda que vem atuando com
déficit de credibilidade. O próprio Banco Central (BC) já não consegue
conduzir as expectativas como há um ano. Neste momento está a reboque
da percepção que os agentes econômicos vêm tendo do comportamento da
inflação. No passado, os dirigentes do BC sempre foram reticentes
quanto à eficácia de medidas prudenciais no combate à inflação. De
repente, no entanto, passaram a insistir em que se repare na força dos
seus efeitos e querem que todos pautem sua cabeça com essas novidades.
O fato é que o Banco Central demorou demais a admitir a virulência da
inflação.
Em todo o caso, há na iniciativa de anunciar os cortes um
reconhecimento importante do governo: o de que as excessivas despesas
públicas são causa relevante do atual surto de inflação. Até agora, o
ministro da Fazenda, Guido Mantega, vinha negando essa relação, seja
porque não quisesse alarmar a sociedade, seja porque pretendesse
manter as pressões para que o Banco Central não aumentasse os juros.
Ao contrário, Mantega insistia em que as causas da atual disparada de
preços se limitavam a fatores sazonais, ou externos (choque de
commodities), ou, ainda, a destemperos climáticos. A consequência
dessa postura é a de que não seria preciso fazer nada para que a
inflação cedesse em seguida: "vai passar".
Se agora fica admitida a necessidade de cortes, então fica também
reconhecida a existência da inflação de demanda, provocada pela forte
geração de renda que se seguiu à disparada do gasto público com fins
eleitorais, que, por sua vez, gerou forte descompasso entre procura e
oferta de bens e serviços.
O ministro Mantega também justificou os cortes como necessários para
abrir espaço para a redução dos juros. A bem da verdade, os atuais
cortes orçamentários não parecem suficientemente fundos a ponto de
dispensar maior aperto monetário. Assim, seria mais apropriado afirmar
que o corte das despesas, desde que efetivado, poderá evitar certa
expansão dos juros básicos. Em todo o caso, o que disse Mantega é
suficiente para entender que até agora a política fiscal foi obstáculo
para o controle da inflação.
O governo Dilma começa com enorme capital político. Se os cortes forem
mais bem especificados e se forem seguidos de demonstração de firmeza
do governo na condução da política fiscal, conseguirá virar a opinião
pública a seu favor.
CONFIRA
O buraco é mais embaixo
O diário Clarín, de Buenos Aires, afirmou que o crescente superávit do
Brasil no seu comércio com a Argentina (de US$ 4,1 bilhões em 2010) se
deve à falta de competitividade da economia argentina que "não se
corrige com negociações comerciais".
Fora do baralho
O durão Axel Weber anunciou sua desistência de se recandidatar à
presidência do Bundesbank (banco central da Alemanha). Isso significa
que ele também vai desistir de ser candidato a presidente do Banco
Central Europeu. Estão abertas as apostas sobre o sucessor do atual
presidente, Jean-Claude Trichet, cujo mandato terminará em março.
Quatro candidatos
O jornal Le Figaro aponta quatro nomes: o italiano Mario Draghi (que
tem contra ele críticas de quando passou pelo Goldman Sachs); o
luxemburguês Yves Mersch; o finlandês Erkki Liikanen; e o alemão Klaus
Regling (presidente do Fundo Europeu de Estabilização Financeira).