O Estado de S.Paulo 06 de fevereiro de 2011
Na disputa entre PT e PMDB pelo comando de Furnas, o governo Dilma jogou pelo empate e a partida terminou 1 x 1 - sai a turma do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e entra a de José Sarney (PMDB-AP). Obviamente, o PT não sai perdendo: também será contemplado com a escolha do resto da diretoria. A derrota ficou com a arquibancada, os brasileiros, que assistiram a um jogo decepcionante e medíocre, com os mesmos jogadores oportunistas e aproveitadores de sempre. Não viram brilhar em campo um time renovado, com craques competentes em gestão e resistentes às tentativas de uso político-partidário, escalados com critérios técnicos pela nova treinadora/presidente.
Quem acreditou nos discursos de Dilma Rousseff do dia da vitória eleitoral e no ato da posse ("Serei rígida na defesa do interesse público. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente...") ficou frustrado nos últimos dias com o desfecho da troca de comando de Furnas e, mais ainda, com a mensagem que a presidente leu no Congresso, na abertura dos trabalhos legislativos, na quarta-feira.
A decisão de ir ao Congresso - em vez de enviar o texto da mensagem pelo ministro da Casa Civil, como fizeram antecessores - acendeu a esperança de que ela estava ali para acertar os ponteiros com os parlamentares. Ao mesmo tempo que prestigiaria a Casa, escolhendo aquele ato para anunciar seu programa de governo, cobraria dos parlamentares uma parceria justa e honesta para aprová-lo, sem precisar recorrer ao miúdo jogo sujo da troca de favores, do toma lá dá cá, em cada matéria proposta pelo Executivo.
Em vez de um gesto de grandeza e finalmente anunciar seu programa de governo, combinando-o com mudanças de atitude, com uma convivência decente entre Executivo e Legislativo, Dilma limitou-se a reafirmar compromissos corriqueiramente assumidos com desenvolvimento, educação, saúde e segurança, pedir apoio para "acabar com a miséria", propor um "pacto de avanço social" e defender as reformas política e tributária. Nenhuma palavra em relação à expectativa de todos os brasileiros por uma prática política transparente, simbolizada no movimento que reuniu milhões de assinaturas e culminou na aprovação da Lei da Ficha Limpa.
Quem é contra um pacto de avanço social ou acabar com a miséria? Obviamente, ninguém em bom estado de saúde mental. A questão é como chegar lá. Falta detalhar um programa de governo com definição de metas e providências, regras, instrumentos para alcançá-las. Entre o desejo e a realidade, há um enorme vácuo que Dilma precisa rechear.
Há exemplos aos borbotões, mas fiquemos neste: nos últimos dias, Dilma e seus ministros propõem reduzir a folha de salários e, como a alíquota do INSS (20% da folha para as empresas) é o item mais pesado, a ideia é reduzi-la, gradativamente, até os 14%. Tudo bem, ninguém é contra. Mas tem um problema: essa renúncia fiscal engole a receita da Previdência, agravando ainda mais o déficit que, em 2010, consumiu R$ 44,3 bilhões da arrecadação de impostos. O que fazer para compensar a perda? Até agora, o governo nada disse. Tampouco Dilma tem mostrado interesse em tocar a reforma da Previdência, que é injusta com quem ganha salário mínimo e perdulária com os altos salários dos aposentados do serviço público.
Quem governa e tem poder de alocar 36% do valor total de dinheiro que circula na economia é obrigatoriamente levado a fazer escolhas. Por isso Dilma prometeu na mensagem ao Congresso "promover a qualidade do gasto público". Todos os antecessores fizeram o mesmo e até hoje os brasileiros esperam pelo cumprimento.
É justo reconhecer que os governos FHC e Lula melhoraram a distribuição de renda no País. Mas o quadro tributário segue perverso. É aceitável que famílias mais pobres, que vivem com dois salários mínimos, comprometam 48,9% de sua renda com impostos, enquanto ricos, que vivem com mais de R$ 20 mil, consumam só 26,3%? É isso que está em questão na reforma tributária.
JORNALISTA, É PROFESSORA DA PUC-RIO
E-MAIL: SUCALDAS@TERRA.COM.BR
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