O GLOBO - 16/09/10
Louve-se a sinceridade de José Dirceu numa campanha em que ela não tem sido a matéria prima.
Ele não sabia que estava sendo ouvido pelo que considera o grande inimigo: a imprensa. É uma sinceridade desavisada, mas Dirceu repete o que muita gente diz no partido: com Dilma, o PT vai mandar mais do que com Lula e fazer o seu “projeto”, seja lá o que for isso.
A julgar pelo que José Dirceu disse no encontro com petroleiros na Bahia, o presidente Lula é grande demais, engoliu o partido. “É duas vezes maior do que o PT.” Já Dilma, ele define como uma liderança que não tinha “grande expressão popular, eleitoral, nem raiz histórica no país”. Neste ponto, José Dirceu não foi exato.
Não é que ela não tinha “grande”, ela não tinha qualquer expressão, nem popular, nem eleitoral, nem raiz histórica. Ele sabe.
Será que José Dirceu acha que Lula é passado? Ficou maior que o partido, governou seu próprio projeto, vai eleger sua escolhida e depois sair de cena? Talvez seja preciso combinar com o próprio Lula que, vivendo agora seu melhor momento, tem claras ambições futuras.
Curioso, o Lula. Ele nunca foi um fenômeno eleitoral.
Perdeu três eleições, e as duas que ganhou foi apenas no segundo turno, mesmo disputando com candidatos que não têm seu talento de encantador de plateias. Ele é fenômeno eleitoral agora quando, ao sair, transforma uma desconhecida, recémchegada ao partido, com falhas explícitas na comunicação, em favorita das intenções de voto. Lula não foi um espanto quando disputou o voto para ele mesmo.
Mas tem se inebriado com a popularidade, pensa que é eterna e alimenta desejos de volta. Como diria seu neo amigo, Collor de Mello: “Só não vê quem não quer.” Curiosa também a interpretação que José Dirceu faz da imprensa. Acha que ela está em guerra contra ele.
“Temos uma disputa contra nós na comunicação”, diz ele, para acrescentar que é preciso se “preparar para essa disputa da mídia comigo”.
A obsessão parece inversa.
Para José Dirceu, a imprensa quer que ele seja condenado, quer bani-lo da vida política, quer impedir que ele exerça a profissão. “Eles me cassaram, saí do governo, fiquei inelegível, depois começaram uma campanha contra minhas atividades de advogado e consultor.” Acha que essa perseguição ocorre “em conluio” com a Polícia Federal, Ministério Público e Poder Judiciário.
Ele foi demitido por Lula no rol das denúncias do mensalão, feitas pelo então aliado do governo Roberto Jefferson. O Ministério Público ofereceu a denúncia contra a “organização criminosa” — definição do procuradorgeral da República — e o Supremo instaurou o processo. A CPI revelou que o dinheiro era sacado na boca do caixa e distribuído a integrantes da base aliada.
O Congresso decidiu sobre seus direitos políticos. Será que ele acha que qualquer um desses fatos espantosos poderia não ser divulgado? Sua avaliação de que há um “excesso de liberdade” assusta porque isso não é seu pensamento apenas. É o do “projeto”.
O mesmo que tentou por duas vezes no governo Lula controlar a imprensa; o mesmo que estava no programa original da candidata do PT enviado ao TSE, aquele que ela rubricou supostamente sem ler. Os indícios são fortes demais da visão distorcida que o “projeto” tem do exercício de um indispensável pilar da democracia.
Os jornalistas costumam provocar reações iradas de candidatos em geral. Está aí José Serra para provar. Irritase desde o começo da campanha, acha que há intenções ocultas nas perguntas, dá respostas atravessadas. Perde pontos com isso. Era o mais experiente dos candidatos, parece o menos preparado para enfrentar as tensões e pressões naturais de uma campanha. É a maior vítima de seu temperamento.
Mas criticar os jornalistas, os órgãos de imprensa, dar respostas atravessadas, tudo isso é da natureza do jogo.
Uma campanha desgasta, cansa, irrita, anima, aflige, mexe com todas as emoções dos candidatos e seus assessores.
Críticas aos jornais, aos jornalistas não representam perigo. O presidente da República não passa um dia sem criticar a imprensa. É seu esporte favorito depois do futebol. O risco ocorre quando passa a ser parte do “projeto” conter, limitar, controlar, intervir no livre exercício do direito e dever de informar.
Foi assim que o presidente Hugo Chávez começou, é neste caminho que está indo o casal Kirchner, assim começaram todos os regimes autoritários. Todos acham que há um “excesso” de liberdade de imprensa. Para Dirceu, há no Brasil um “abuso do direito de informar”.
José Dirceu deveria estar feliz, tranqüilo, esperançoso, afinal, a candidata para a qual trabalha está bem nas pesquisas.
Em vez disso, vocifera ameaças, sente-se perseguido, pensa ser o centro das preocupações da imprensa.
Deveria já ter entendido que não é esse o “projeto” que está sendo apoiado pelos eleitores, mas a sensação de conforto econômico que dá o crescimento com inflação baixa. Conforto que muito deve ao governo anterior. Se o “projeto” for fazer da eventual vitória da Dilma uma carta branca para o autoritarismo, o PT estará cometendo o maior dos seus erros.
oglobo.com.br/miriamleitao • e-mail: miriamleitao@oglobo.com.br
COM VALÉRIA MANIERO
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