Desde que noço líder genial dos povos da floresta, Luiz Inácio Lulinha Paz e Amor o Cara da Silva, envergou a toga, travestindo-se ao mesmo tempo de supremo magistrado perdoador dos amigos e condenador dos adversários tornados inimigos e senador romano defensor do lema "in dubio pro reo" ("na dúvida, a favor do réu"), seus desesperados adversários tucanos e dêmicos se torturam com a imbaixável (apud Magri) popularidade dele. E foi aí que cunharam a teoria do teflon. Pois é. Sabe aquela película que é posta nas frigideiras para evitar que a fritura adira a elas? Sua Insolência também teria tal propriedade, pois sujeira nenhuma gruda nele. Por mais evidências que surjam à tona sobre a eventual participação de assessor próximo, amigo do peito, senhorio compadre ou filho prático, sua imagem sempre sai, impávido colosso, de quaisquer complicações, sem máculas nem sequer nódoas de gordura. Nem os dólares na cueca do irmão do companheiro o sujaram.
Lula comporta-se como se desfilasse despido em praça pública, mas num carro protegido por um permitido insulfilm (o teflon da indústria automobilística) que evita que o guri xereta lhe aponte o dedo e berre à multidão que o aplaude: "O reizinho está nu." Mas, magnânimo, como seria um califa de mil e uma urnas abarrotadas de votos, Sua Insolência aventura-se às vezes a testar a consistência da camada protetora que mantém sua efígie imaculada, enfrentando desafios nunca antes arriscados por quaisquer antecessores mais temerários. É o caso de apostar nisso neste momento em que ele surfa sobre mais de 80% de aprovação do eleitorado a um ano de se tornar paraninfo da eleição da chefe de sua Casa Civil, Dilma Rousseff, que enfrentará o ogro favorito da oposição, José Serra, na sucessão presidencial. Nunca antes na história deste governo seu chefe desafiou com tanto destemor os favores dos fados benfazejos.
Sua Insolência mandou, por exemplo, que os generais da política econômica desafiassem o dogma da poupança intocável. E fez mais: permitiu que os econometecas do governo cometessem a suprema blasfêmia de fixar como limite da taxação R$ 50 mil, lembrando os Cr$ 50 mil da medida governamental mais impopular da História do Brasil: o confisco da poupança por seu antecessor Fernando Collor e pela ministra dele Zélia Cardoso de Melo, que dizem alguns engraçadinhos ter sido a primeira piada a se casar com um humorista. A única explicação próxima da lógica para a lambança da taxação da poupança seriam os arrepios de náusea que essa modalidade popular de investimento para evitar a corrosão da moeda provocam hoje nas instituições financeiras. Se essa hipótese de maledicentes da oposição for absurda, resta o dilema atroz provocado pelo anúncio da medida: para que mexer nesse vespeiro em véspera de eleição difícil com candidato pesado para enfrentar adversário favorito? Só pode ser a disposição de Lula de testar a consistência de seu teflon.
Ousada? Pode ser. Tanto que o próprio Lula, ao que tudo indica, mandou a turma da economia voltar atrás na medida, não por ser absurda, mas por não haver razões políticas para adotá-la. E ainda houve outras piores. Que tal essa de o governo não devolver o dinheiro, tomado antecipadamente das pessoas físicas, do Imposto de Renda? O próprio presidente disse que esse empréstimo compulsório sem devolução à vista não atende aos princípios elementares da economia, pois o governo quer é ver o cidadão com dinheiro no bolso para poder comprar, gastando mais. O comentário seria de uma lógica cristalina se não fosse o comentarista chefe do governo que tomou a medida antipática, apostando na certa no fato de a grande maioria do eleitorado, residente nas favelas que ardem e nos morros que deslizam, não ter um tostão guardado com o infidelíssimo depositário federal. E mais: lembrou que já houve similares batidas de carteira do contribuinte no passado. Quer dizer, então, que para a tunga - e só para a tunga - não vale o refrão "nunca antes na História deste país", é? Tá bom!
Os exemplos de Lula testando seu teflon se multiplicam, não havendo aqui espaço para citar todos. Vamos apenas a mais um. O Ministério da Educação (MEC) contratou uma empresa privada para cuidar das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que vinha reunindo cacife para substituir o vestibular como uma forma mais transparente e justa de selecionar universitários. Alguns funcionários temporários da gráfica carregaram a prova impressa debaixo da blusa e dentro da cueca, evidenciando o vazamento, do qual saíram prejudicados milhões de estudantes que se beneficiariam com a inclusão da nota do Enem para terem acesso à universidade. Chamar os autores da façanha de "pés de chinelo" seria exagerado: não chegam a sê-lo. A Polícia Federal (PF) detalhou as falhas da segurança da empresa contratada e elas atingem as raias do incrível. Ainda assim, a PF das operações espetaculares, a PF republicana que não dá mole para bandidos, forjou um perdão para o contratante de fazer corar frade de pedra. "A fragilidade foi da empresa contratada, que ganhou a licitação. Não houve fragilidade do governo", disse seu superintendente, Fernando Duran.
A mesma Federal não teme prender banqueiros que promotores e juízes consideram inescrupulosos, mas não dá ao Ministério Público uma informação que o autorize a pedir a prisão de Valdomiro Diniz, o factótum da Casa Civil do tempo de Zé Dirceu, que confessou ter achacado um empresário da jogatina e passeia sua impunidade pelo Planalto Central. Uma pergunta que não quer calar é se essa dubiedade pode explicar o teflon de Lula. Outra é se o insulfilm que impede a visão da nudez real não resultaria da suspeição inepta da oposição, incapaz de apontar o dedo por temer que vejam que ele não está muito limpinho.
Entrevista:O Estado inteligente
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