Não é lógico afirmar que a escolha do Rio como sede olímpica nos põe no Primeiro Mundo |
NÓS, VIRGINIANOS, analíticos por fatalidade zodiacal, tendemos a corrigir os exageros ou equívocos que o entusiasmo provoca. Assim é que, passada a justa euforia que nos tomou ao ser anunciada a escolha do Rio para sediar a Olimpíada de 2016, é justo tentar entender o que realmente aconteceu. Se isso servirá para alguma coisa, não sei, mas sei que ver claro os fatos não faz mal a ninguém, a não ser aos que se beneficiam do engano.
A pergunta que me faço é, e procuro responder, a seguinte: o que determinou a escolha do Rio de Janeiro pelo Comitê Olímpico Internacional, em vez de Chicago, Tóquio ou Madri? Há quem diga que foi o excelente trabalho de marketing feito pelo Comitê Olímpico Brasileiro, enquanto para outros o fato decisivo foi a presença em Copenhague do presidente Lula. Chegou-se mesmo a afirmar que Obama, derrotado por ele, teria voltado para casa de cabeça baixa. Para esses, a escolha do Rio veio confirmar, segundo as palavras de nosso presidente, que enfim o Brasil tem coragem de encarar de igual para igual as nações tidas como avançadas. Com esta vitória no Comitê Olímpico Internacional, chegamos enfim ao Primeiro Mundo!
Confesso que tais afirmações me deixam constrangido, pois, na verdade, indicam que continuamos amargando o complexo de vira-latas, preocupados, a todo instante, em mostrar que não somos cachorros, não. E é claro que não o somos, mesmo sem Olimpíada.
Não há nenhuma lógica em afirmar por que a escolha do Rio para sediar os Jogos Olímpicos nos põe de repente no Primeiro Mundo. O México os sediou, em 1968, e nem por isso entrou para essa categoria. Tampouco a Grécia (três vezes) e a Coreia do Sul, em 1988. Na verdade, não vale a pena perder tempo com semelhante discussão.
Destituído igualmente de propósito é dizer que a escolha do Rio pelo COI deveu-se a Lula que, pelo visto, faz chover quando quer. Basta lembrar que ele já era presidente quando o Rio foi descartado, em primeiro escrutínio, na disputa pela Olimpíada de 2012. É uma tolice superestimar a influência de chefes de Estado, tanto que Chicago, apoiado por Obama e Madri, pelo rei Juan Carlos da Espanha, perderam. Ganhou o Rio porque Lula é mais influente que os dois? Acho que nem ele, em sua inquestionável megalomania, acredita nisso.
Os fatos indicam o contrário: se Obama e o rei Juan Carlos não conseguiram a escolha de Chicago e Madri, é que os fatores decisivos eram outros e não o maior ou menor prestígio de qualquer deles. O que decidiu, como está evidente, foram os interesses do próprio COI e de seus dirigentes. É, portanto, fora de propósito achar que o Comitê Olímpico Internacional iria pôr em risco o êxito dos Jogos e arrostar com as consequências disso, apenas para agradar a governantes, seja ele Obama, Lula ou o rei da Espanha. Numa decisão como essa, estão em jogo desde o relacionamento do COI com a opinião pública das diferentes nações e continentes até -e sobretudo- interesses econômicos, envolvendo o prestígio de grandes empresas patrocinadoras do certame.
É, desse modo, mais fácil de entender a exclusão da cidade de Chicago, já que boa parte de sua população não a queria como sede e, por outro lado, o seu fuso horário que obrigaria os Jogos a serem vistos na Europa tarde da noite e pela madrugada a dentro. A questão do fuso também pesou, ainda que menos, na exclusão de Tóquio, somando-se ao fato de que já três Olimpíadas se realizaram na Ásia, a última delas em Pequim, recentemente.
E Madri? Por que não Madri, que se apresentou com a infraestrutura pronta, enquanto o Rio estava longe disso? A exclusão de Madri teve duas razões: a Espanha já ter sediado a Olimpíada em Barcelona e, sobretudo, o interesse da França, Alemanha e Itália em sediá-la em 2020. A escolha da Espanha em 2016 tornaria essa pretensão inviável.
Restava o Rio de Janeiro, que, não tendo o problema do fuso horário e, por essa razão, atende melhor ao interesse das grandes empresas, patrocinadoras dos Jogos. Não foi porque o Rio de Janeiro continua lindo e a economia estável. Isso conta, claro, mas não decide, como não decidiu nas duas vezes anteriores em que ele se candidatou e perdeu. E, aliás, tinha ainda contra si, o grave problema da segurança, que é grave, sem dúvida. O Rio foi escolhido porque, das 26 Olimpíadas realizadas, 15 foram na Europa, seis na América do Norte, três na Ásia, duas na Austrália e nenhuma na América do Sul. Por exclusão, vencemos. Importante agora é mostrar ao mundo que podemos dar conta do recado.