Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 31, 2009

Villas-Bôas Corrêa Catadores de papel e formadores de opinião

JORNAL DO BRASIL

Passei algumas horas no Palácio Tiradentes, antiga sede da Câmara dos Deputados até a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, e ocupada pela Assembleia Legislativa, para prestar um depoimento para a TV Câmara sobre a reportagem política do meu tempo e os hábitos e costumes dos deputados federais.

Por uma hora e meia, esperamos que fosse encontrada a chave para abrir a porta para o plenário. E cutucado pela saudade perambulei pelos corredores e gabinetes, com as muitas modificações de meio século, em que o mundo parece que virou de cabeça para baixo.

No texto impecável do saudoso e brilhante deputado Oscar Dias Corrêa, aqui relembrado no dia 18, a diferença entre o velho Congresso e o da mudança para Brasília deve ter surpreendido e vexado os senadores atolados na série de escândalos e os deputados de uma Câmara que gira em torno de vantagens, regalias, passagens para os fins de semana nas bases eleitorais e assessores de gabinetes individuais para coisa nenhuma.

A cobertura do Congresso acompanhou a mudança para o Legislativo da bagunça. Da reabertura do Congresso, depois da ditadura do Estado Novo, até a recaída na ditadura militar dos 21 anos do rodízio dos cinco generais-presidentes, a democracia viveu a época de ouro, acompanhada pelo interesse da população, que estava farta de ditadura. As galerias lotavam todos os dias da semana de sessões de segunda a sexta-feira, e às vezes aos sábados, atraídas pelos debates entre os grandes oradores de todos os partidos: Carlos Lacerda, Afonso Arinos, Gustavo Capanema, Flores da Cunha, Milton Campos, Bilac Pinto, Aliomar Baleeiro, Oscar Dias Corrêa, Vieira de Melo, Nereu Ramos, Leonel Brizola, para ficar em alguns exemplos.

E a reportagem política ajustou-se ao novo tempo e à cobrança da população, que tinha à escolha os matutinos Correio da Manhã, Diário de Notícias, O Jornal, Diário Carioca, Jornal do Brasil, Jornal do Commercio, além dos vespertinos, para leitura no bonde e no ônibus na volta para casa, Globo, Notícia, Diário da Noite.

A cobertura do plenário da Câmara e do Senado tinha seu espaço cativo nos matutinos, com repórteres que acompanhavam as sessões da tribuna de imprensa da Câmara, localizada abaixo da Mesa Diretora e com acesso à terra de ninguém, espaço entre a mesa e as bancadas. Outra equipe cobria as comissões, com destaque para a de Constituição e Justiça e a de Finanças.

E, afinal, os repórteres políticos que acompanhavam o jogo do poder, com a cobertura de uma área sem fronteiras, dos plenários, gabinetes do Senado e da Câmara, os gabinetes de ministros, especialmente o da Justiça, as reuniões partidárias, as crises, intrigas e acertos. A turma que me acolheu, repórter deslumbrado e chucro, com seis meses de aprendizado na escola de A Notícia, de Silva Ramos, tinha o seu líder natural no maior repórter político de todos os tempos, o Castelinho, Carlos Castelo Branco, além de Odylo Costa Filho, Heráclio Salles, Benedito Coutinho, Murilo Marroquim, Doutel de Andrade, Otacílio Lopes, o Cara de Onça, Osvaldo Costa, Murilo Mello Filho, Haroldo e Tarcísio Holanda, Carlos Chagas, Fernando Pedreira.

Muitos mudaram para Brasília, e uma nova geração tenta remontar um modelo para a cobertura de um Congresso caricato e desmoralizado.

Sem conhecer nada deste enredo resumido, o presidente Lula, entre as muitas atividades e viagens da campanha antecipada da candidatura da ministra Dilma Rousseff, sem outro assunto para o improviso para 1.500 catadores de papel reciclável, que confundiu com papel de jornal, na abertura do Expocatador pediu aos repórteres presentes que esquecessem “a pauta dos seus editores” e entrevistassem os catadores de papel. E deu a sua aula de leitor bissexto aos embasbacados repórteres: “Vocês vão compreender por que a figura do formador de opinião pública, que antes decidia as coisas neste país, já não decide mais. É que o povo não quer mais intermediários”.

Lula embarcou à tarde para a Venezuela. E os que seguirem os sábios conselhos do presidente esqueçam os jornais e tratem de fazer amizade com um catador de papel.

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