FOLHA DE S. PAULO
O CONGRESSO está para terminar a redação dos projetos de lei para o pré-sal. Apesar da barafunda do início da noite de ontem e das disputas ainda abertas entre deputados e governo Lula, o projeto tem como implicação o aumento imediato dos gastos (ou melhor, implica aumento de gastos assim que eventualmente começar a entrar o dinheiro do pré-sal).
Primeiro, a proposta aumenta um imposto sobre os rendimentos do petróleo do pré-sal, taxação que no caso atende pelo nome de cobrança de royalties. Assim, reduz-se a quantidade de recursos que deve ser dirigida ao fundo que será criado a fim de poupar os recursos que a União obtiver com o petróleo.
Segundo, o projeto reduz a fatia do governo federal na distribuição desses royalties, aumentando os recursos dirigidos para governos estaduais e municipais, "produtores" ou não de petróleo. Ou seja, aumenta a distribuição de recursos para "entes federativos" que, na maioria, têm se mostrado ainda mais ineptos que a administração federal.
Terceiro, o fundo de poupança dos recursos advindos do petróleo torna-se mais e mais desfrutável podendo ser gasto em itens cada vez mais diversos. Nos primeiros cinco anos, o principal do fundo (e não apenas seus rendimentos) poderá ser gasto, "desde que não haja risco à sua sustentabilidade".
A ideia aparentemente boa de criar um fundo de poupança com os recursos do pré-sal também pode ser essencialmente ruim, a depender do contexto econômico. Pretende-se criar outro fundo de poupança em um país que, porém, não poupa, mas tem deficit e dívida caríssima para pagar. O Brasil tem o fundo de reservas internacionais, uma reserva de caixa em moeda forte, necessária para evitar variações excessivas da moeda nacional e para cobrir despesas "externas" (em dólares) em caso de crise aguda.
As reservas de US$ 232 bilhões são caras porque rendem juros de "primeiro mundo", hoje quase zero, e têm o custo de juros brasileiros. Isto é, o custo do endividamento em reais para comprar os dólares (pelo menos 8,75% ao ano, a Selic de agora, que vai subir). O Brasil tem um "fundo soberano" meio morto-vivo, que o governo pretende incrementar, aplicando seus recursos também a um custo inferior ao da dívida pública crescente.
E, agora, o Brasil terá um fundo petrolífero que, a seguir as regras tradicionais aqui e lá fora, renderá menos que o custo da dívida pública. Qual o problema? Imagine-se o cidadão que chega a todo final de mês no vermelho e que se endivida no cheque especial ou no cartão de crédito, dívida que custa 11% ao mês em juros. Esse cidadão, por acaso, um dia ganha na loteria ou recebe uma herança. Em vez de acabar com seu deficit e/ou pagar a dívida, decide aplicar o dinheiro na caderneta de poupança, ganhando 0,5% ao mês.
Faz sentido? Não. Esse é mais ou menos o caso dos fundos brasileiros. O que fazer? Torrar o dinheiro que um dia virá do pré-sal, como os deputados já propõem? Não, mas o conjunto da nossa obra é o pior dos mundos. Está se propondo o aumento do gasto do dinheiro do pré-sal antes de ver a sua cor; estamos criando fundos com rendimentos na prática negativos. Mas os governos continuam a ter deficit.
Entrevista:O Estado inteligente
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