O Estado de S. Paulo, 25/10/09
Um paradoxo embaralha o governo Lula: a economia cresce, ampliam-se os empregos, aumentam a renda salarial e a circulação de dinheiro, mas esse boom de otimismo teima em não aparecer nas contas do governo. Conhecidos na terça-feira, os números de despesa e receita da União em setembro vão na contramão da retomada econômica: comparada aos piores meses da crise deste ano, a arrecadação tributária de setembro caiu, em vez de crescer, e o resultado acumulado entre janeiro e setembro desabou 11% em relação ao mesmo período de 2008. E os gastos não param de crescer.
É o 11º mês consecutivo de queda na receita com impostos, um contrassenso em relação aos números do IBGE e do Ministério do Trabalho, que revelam crescimentos contínuos da produção e do emprego. Contrassenso que não pode ser explicado simplesmente com a desculpa da desoneração fiscal de automóveis e eletrodomésticos, como tem feito o governo. Afinal, a renúncia tributária vigorou ao longo deste ano e, com exceção de fevereiro e maio, o resultado de setembro foi o pior de todos os meses.
Insatisfeito com o desempenho da ex-secretária da Receita Federal Lina Vieira (aquela que ouviu de Dilma Rousseff o pedido de socorro ao filho de José Sarney) na arrecadação de impostos, Guido Mantega demitiu-a, substituindo-a por Otacílio Cartaxo. Não adiantou, a arrecadação tributária só tem piorado.
Em menos de uma semana de taxação de 2% do IOF sobre o capital estrangeiro, aplicado em renda fixa e na Bovespa, ficou claro que o verdadeiro propósito do Ministério da Fazenda não foi frear a desvalorização do câmbio, mas aumentar “na marra” a receita tributária para tentar manter a ameaçada meta de 2,5% do PIB no superávit primário deste ano. O próprio ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, reconheceu a ineficácia da medida sobre o câmbio e o efeito positivo na arrecadação, que pode somar R$ 10 bilhões em um ano. Receita nada desprezível, mas insuficiente para cumprir a meta do superávit primário.
E novo aumento de alíquota de qualquer outro imposto também será insuficiente diante do descalabro de gastos do governo, que se descontrolam cada vez mais com a proximidade das eleições no próximo ano. Por enquanto está mantida a meta de superávit primário de 3,3% do PIB em 2010, mas a intenção de reduzi-la já é alvo de debate e discórdias no Ministério da Fazenda.
O governo Lula não tem por hábito planejar o longo prazo e costuma agir movido pelo impulso político de ser bem-sucedido nas eleições. Com isso segue contratando despesas sem se preocupar se haverá receita no futuro para cobri-las. Quer ver?
Para agradar e atrair alianças políticas com 5 mil prefeitos reunidos em Brasília, em fevereiro, o presidente Lula presenteou-os com o alongamento do prazo de pagamento da dívida previdenciária dos municípios por mais 20 anos, prazo já tão repactuado no passado. Não se preocupou com o impacto disso no déficit do INSS, não pensou que a receita previdenciária seria fortemente abalada com a crise econômica, não mediu as consequências de sua decisão e agora o dinheiro dos municípios faz falta na contabilidade do INSS. Os técnicos do Ministério da Previdência não concluíram os cálculos, mas reconhecem ser forte o impacto negativo sobre a receita.
Setembro foi um mês cor-de-rosa para a recuperação do crescimento e do emprego, mas negro para as receitas tributária e previdenciária. Foi também o pior mês do ano para o déficit do INSS, que cresceu 76,4% na comparação com agosto e 18% em relação a setembro de 2008. É verdade que a antecipação da metade do 13º salário aos aposentados influenciou negativamente o resultado de setembro, mas não explica o absurdo crescimento de 76,4% do saldo negativo.
O governo parece brincar com a Previdência. Previu um déficit de R$ 41,4 bilhões para 2009, e em setembro já se aproximava disso - R$ 39,12 bilhões. E ainda não reviu a estimativa, mas sabe que pode aproximar-se de R$ 50 bilhões em dezembro. E mais: como se trata de ano eleitoral, o presidente Lula certamente pretende reajustar o salário mínimo acima dos R$ 505,90 previstos na proposta do Orçamento. E o impacto sobre as despesas do INSS pode ultrapassar R$ 10 bilhões. Como resolver essa equação?
Fácil, uma brincadeirinha resolve. Como fez o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que apresentou aos senadores receitas extras tiradas do nada, mas que dão mais uma folga de R$ 22 bilhões para o governo gastar mais em 2010.
Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio. E-mail: sucaldas@terra.com.br