Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 24, 2009

Coco Antes de Chanel, de Anne Fontaine

Com linha e agulha

Em Coco Antes de Chanel somam-se pequenos momentos que nada
parecem significar – até que, cristalizados, eles criam uma revolução


Isabela Boscov

Divulgação
O DOM DOS SENTIDOS
Audrey, como Chanel: uma sensibilidade ao apelo das cores, texturas e formas
à qual ela mesma demorou a dar importância

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Nem instantes de revelação que fazem chacoalhar o mundo, nem o assomar de uma genialidade que se sobrepõe a tudo o mais: rejeitar esses lugares-comuns onipresentes nas biografias de personalidades pioneiras é o queCoco Antes de Chanel (Coco Avant Chanel, França, 2009) faz de mais instigante. O filme que estreia no país na próxima sexta-feira prefere algo menos arrebatador, mas bem mais revigorante: o processo lento, hesitante e aleatório pelo qual pequenos momentos vão se somando e se cristalizando em uma visão que só muito mais tarde se provará revolucionária. Um trabalho de miniaturista, como o pretendido (e efetuado) aqui, pode testar a paciência da plateia, que não vê os resultados chegarem no ritmo habitual, ou então perder de vista seu ponto de fuga ao se concentrar em minúcias. Mas Anne Fontaine, autora de outros filmes também medidos assim em centímetros, como Lavagem a Seco e A Garota de Mônaco, é uma diretora talhada para sua personagem: da mesma forma que a estilista francesa Coco Chanel (1883-1971), ela é obstinadamente afeita ao controle e à exploração de caminhos inusitados.

Chanel já foi inúmeras vezes retratada, mas sempre em sua forma final: a cáustica, severa e independente inventora do tailleur, libertadora da forma feminina e criadora do mais perene de todos os conceitos do chic – o que, até que surja uma improvável prova em contrário, dita que silhueta, tecido, caimento são os únicos adornos necessários. Não é essa, entretanto, a protagonista de Coco Antes de Chanel. Começando de sua infância em um orfanato, o filme recria com recursos disciplinados uma experiência sensorial a que Coco (Audrey Tautou) desde cedo esteve sujeita, mas à qual demorou a dar importância: sua suscetibilidade ao apelo das cores, das texturas e acima de tudo da simplicidade. Recria também sua índole confrontadora e – esse o dado inesperado – sua absoluta falta de rumo. E mostra como esses traços confluíram durante o período em que ela se aboletou no castelo de seu amante, o dândi Étienne Balsan (o excelente Benoît Poelvoorde). Étienne costumava esconder Coco de seus amigos, por achá-la meio insignificante; e Coco, para afrontá-lo, invadia as festas em trajes masculinizados.

O efeito desse contraste é sutilmente cômico. Embora ainda errático, o talento de Coco faz com que, ao lado dela, as outras mulheres pareçam enfeites de bolo. A cena em que ela dança com seu outro amante, Arthur "Boy" Capel (Alessandro Nivola), também é uma beleza – em meio a uma profusão de fitas, laços e laçarotes, o primeiro de todos os "pretinhos básicos" é uma imagem de apuro inigualável. Coco Antes de Chanel termina no momento em que a personagem de fato começou a se encontrar. Deixa de fora, em suma, tudo de que já tanto se falou. E tira dessa lacuna sua eloquência sobre como é fortuito esse acontecimento que se costuma designar como gênio.

Lipnitzki/Roger Viollet/Getty Images

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