O GLOBO EDITORIAL,
Em entrevista ao jornal “Valor Econômico”, o presidente Lula adiantou o plano de deixar como legado a “Consolidação das Leis Sociais”, a CLS. Seria, deduz-se, a transformação em lei do Bolsa Família e de qualquer outro benefício assistencialista que ainda não conste de texto legal.
A primeira interpretação foi política.
Como Lula procura marcar sua gestão como a de maior teor social da História — na linha do “nunca antes neste país”... —, a CLS seria uma bandeira para desfraldar na campanha do ano que vem. Pode até mesmo inspirar marqueteiros a coreografar a passagem da bandeira para a candidata Dilma Rousseff. Outra aplicação políticoeleitoral, emparedar a oposição. No segundo turno de 2006, os tucanos e “demos” se deixaram colocar em corner pela acusação de “privatistas”, que faz rima com “entreguistas” — termo agora reabilitado pelo PT no jargão dos embates políticos por causa do pré-sal e do projeto de restabelecer parte do monopólio da Petrobras.
Em 2010, a CLS, na verdade, funcionaria como uma armadilha: quem se disporia a votar contra? Isso apesar de o sentido da proposta de Lula ser uma séria ameaça à administração responsável das contas públicas, já em processo de preocupante desequilíbrio por causa de gastos temerários feitos pelo governo a pretexto de combater os efeitos recessivos da crise mundial.
O maior exemplo foi a manutenção de uma rodada de aumento salarial do funcionalismo, prometido ainda na bonança, e que, apenas este ano, representa para o contribuinte uma conta adicional na faixa dos R$ 20 bilhões — cifra que se perpetuará, pela impossibilidade legal de haver cortes na folha de pagamentos de servidores. Eles são estáveis, e as despesas, crescentes, por causa de anuênios, quinquênios etc.
Se a União já padece porque o Orçamento é repleto de gastos compulsórios, imagine-se com a CLS, forma de converter em obrigatória a despesa do Bolsa Família? E o espírito eleitoral ainda pode inspirar alguém a colocar em lei um sistema de reajuste — claro, sempre acima da inflação, como consta do projeto de lei do salário mínimo, não aprovado, mas já em prática.
Só no Bolsa Família deverão ser gastos, em 2010, R$ 14 bilhões, caso o programa seja ampliado como é defendido em Brasília. Ele passaria a atender 12,9 milhões de famílias, um milhão a mais que hoje.
Com a CLS, o Estado se firmará como um guichê pagador de pessoas, e menos como supridor de educação, saúde e segurança. Será transferido para o Orçamento o efeito negativo de outra “Consolidação”, a das Leis do Trabalho (CLT), de Getúlio. Esta engessa os custos do empregador e faz desaparecer o emprego formal. A de Lula colocará de vez numa camisa de força a capacidade de o Estado investir em mudanças estruturais.