O ESTADO DE S PAULO EDITORIAL,
A democracia brasileira é muito restritiva para o presidente Lula. Ele poderia fazer muito mais pelo País, se não fosse tolhido em suas intenções, sempre boas, pelos entraves institucionais. Esta é a tradução precisa de seus insistentes ataques ao Tribunal de Contas da União (TCU) e aos demais órgãos fiscalizadores que ocasionalmente atravessam seu caminho. "O Brasil está travado", disse o presidente ao discursar, sexta-feira, na cerimônia de posse do novo advogado-geral da União, Luiz Inácio Adams. "Não é fácil governar", queixou-se, "com a poderosa máquina de fiscalização e a pequena máquina de execução." Mas a máquina de execução não é tão pequena assim. Isto é evidente para quem acompanha o crescente inchaço dos quadros do Executivo e de sua folha de salários. Não é pequena, mas é cada vez mais ineficiente, por causa dos critérios impostos pelo grupo governante à administração federal. A incapacidade de produzir e de conduzir projetos segundo as mais elementares normas de governança é reflexo dessa ineficiência. Não se pode culpar o TCU pelos tropeços da paquidérmica equipe de governo. Mas também quanto aos gastos com pessoal há divergência entre o presidente Lula e os fiscais por ele criticados. A folha de pagamentos tem crescido bem mais velozmente que a receita de impostos e contribuições, observou em depoimento no Congresso o secretário de Macroavaliação Governamental do TCU, Maurício Vanderlei. Esse crescimento, segundo ele, tem sido formalmente possível porque os limites fixados na Lei de Responsabilidade Fiscal são muito altos.
O secretário adjunto de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Claudiano Manoel de Albuquerque, tentou justificar a ampliação dos quadros, mas acabou admitindo: "Em algum momento mais à frente, com certeza, a decisão deverá ser diferente, com a utilização do espaço fiscal para reduzir a carga tributária."
Esse momento certamente não está no horizonte temporal do presidente Lula. Na mesma sexta-feira ele defendeu os aumentos concedidos ao funcionalismo, comparando os salários do governo com os do setor privado. Ele parece não perceber uma diferença importante: as empresas pagam salários em troca de serviços e de competências e não se julgam obrigadas a contratar mais que o pessoal necessário. O padrão administrativo do setor público brasileiro, especialmente no governo petista, é muito diferente.
Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não admite nenhuma responsabilidade pelos obstáculos enfrentados na realização de projetos. A culpa é sempre dos outros e a ocorrência de problemas é facilitada por um sistema institucional disforme. De acordo com a sua descrição, neste país estranho "uma pessoa de quarto escalão resolve e tem mais poder que o presidente da República". A frase é muito importante, porque denuncia, com perfeita clareza, a forma como o presidente Lula percebe o mundo da administração e das normas. O importante, para ele, é o status do agente, não o valor da regra. Por esse critério, um guarda de trânsito não deveria ter poder para multar uma autoridade mais alta. Mas esse critério parece funcionar adequadamente em algumas circunstâncias. Afinal, o presidente da República esteve entre os primeiros contribuintes beneficiados com a restituição do Imposto de Renda pago a mais. Como acreditar em casualidade?
No mesmo discurso Lula voltou a defender suas viagens, para "acompanhar obras" - como se isso fosse função presidencial. "Quem engorda o porco é o olho do dono", argumentou, errando a citação. O animal do provérbio é o boi, mas isso não é o mais importante. Ele respondia nesse momento a quem o criticou por fazer comícios eleitorais às margens do São Francisco. "Não tem problema viajar para fiscalizar", comentou depois o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. "O problema", acrescentou, " é fazer campanha."
Lula propôs a criação de uma câmara de nível superior para decidir com rapidez se uma obra pode ou não ficar paralisada. Não explicou quem comporia a câmara nem como as suas decisões se ajustariam aos critérios legais. A lei, como sempre, é um detalhe. Mas o presidente, pacificador, anunciou a intenção de "deixar um legado de harmonização maior entre as instituições". Ele já parece ter encontrado o caminho: todo poder ao presidente da República e não haverá mais conflitos.