O compositor do Império
Um dos maiores nomes da música erudita contemporânea, John Adams
transformou a história americana recente em tema de composições
inovadoras, mas que mantêm sintonia com o público
Sérgio Martins, de Los Angeles
Ken Howard/Metropolitan Opera |
ÉPICO MODERNO Cena de Doctor Atomic: ópera sobre a criação da primeira bomba atômica |
O ator Tom Hanks e o produtor Quincy Jones, entre outras personalidades do showbiz, desfilaram no tapete vermelho da Walt Disney Concert Hall para assistir à Noite de Gala da Filarmônica de Los Angeles, no início do mês. O evento marcou a estreia do jovem e badalado Gustavo Dudamel como diretor artístico da orquestra. O maestro venezuelano de 28 anos regeu a Primeira Sinfonia de Gustav Mahler e foi aplaudido de pé por doze minutos. Mas Mahler já está consagrado no repertório das grandes orquestras. O maior desafio de Dudamel foi a obra que abriu o programa, City Noir, de John Adams, que neste ano se tornou compositor oficial da Filarmônica de Los Angeles. Com 35 minutos de duração, a sinfonia faz parte de uma trilogia sobre a Califórnia – as outras obras são El Dorado e The Dharma at Big Sur – e homenageia o climão sombrio dos filmes policiais dos anos 40 e 50. Embora certas passagens soem áridas ao ouvinte não adepto da produção contemporânea, City Noir é altamente palatável. Também foi longamente aplaudida, e Dudamel chamou o compositor ao palco para sua merecida parcela de glória. Adams, de 62 anos, é um compositor raro, que se mantém inovador sem espantar o público. "Ingressos de concertos custam caro. Ninguém paga para ouvir algo que vai deixá-lo incomodado", disse o compositor a VEJA.
City Noir representa bem a variedade de estilos e o caráter profundamente americano da música de Adams (trechos de suas principais composições encontram-se em www.earbox.com/listofworks.html). "Pode-se dizer que é um jazz sinfônico", define o compositor. Um dos principais músicos eruditos surgidos na segunda metade do século XX, o americano começou a carreira, nos anos 70, associado ao minimalismo. Em Shaker Loops, empregou os princípios de repetição e progressão harmônica que caracterizam esse movimento – mas sem o automatismo tedioso que tantas vezes se ouve na obra de minimalistas mais ortodoxos, como Philip Glass. Adams já compôs inspirado pelo romantismo do alemão Richard Wagner e até pelo atonalismo do austríaco Arnold Schoenberg, por quem hoje não professa simpatia. Ele cita o velho Mozart como um modelo na conjugação de ousadia com apelo popular: "Sua música também tinha dissonância. Mas cada passagem complicada era seguida por uma melodia agradável. Em compensação, quinze minutos da música de Schoenberg me deixam completamente fatigado".
A história americana é uma fixação da obra de Adams. "Mussorgsky compôs sobre a grande Rússia, e Wagner se inspirou na mitologia germânica. Faço música sobre temas americanos porque somos o equivalente atual do que foi o Império Romano na Antiguidade", diz. Em suas produções para a ópera – gênero no qual Adams obteve seus resultados mais expressivos –, temas da história recente são encenados: Nixon in China, de 1987, trata do encontro entre o presidente americano Richard Nixon e o ditador chinês Mao Tsé-tung, e Doctor Atomic, de 2005, é sobre o físico Robert Oppenheimer e a equipe do Projeto Manhattan, que criou a primeira bomba atômica. Por encomenda da Filarmônica de Nova York, Adams compôs sobre o evento mais marcante do século XXI – os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. O resultado foi On the Transmigration of Souls, obra que pede orquestra, coro adulto e infantil e samples com depoimentos de pessoas que perderam parentes no atentado às torres gêmeas. A peça estreou em 19 de setembro de 2002. "Na plateia, havia pessoas que presenciaram o atentado. O público aplaudiu, mas em seguida houve um silêncio perturbador", lembra o maestro brasileiro Roberto Minczuk, que na ocasião era regente associado da orquestra de Nova York.
Prestigiado pelos melhores grupos sinfônicos da Europa e dos Estados Unidos, Adams – que mora em Berkeley, na Califórnia, com a mulher, dois filhos e um cachorro – está começando uma parceria promissora com a Filarmônica de Los Angeles. Ele goza de uma boa sintonia com a presidente da instituição, Deborah Borda (City Noir, aliás, é dedicada a Deborah). É fã declarado do antigo diretor artístico da orquestra, o maestro e também compositor finlandês Esa-Pekka Salonen, recentemente substituído por Dudamel. A orquestra é uma das poucas instituições do gênero que não sofreram os efeitos da crise econômica mundial: tem um orçamento anual de 100 milhões de dólares e suas récitas estão sempre lotadas. Adams já marcou presença num momento crucial de sua história: a inauguração da Walt Disney Concert Hall, em 2003, uma das melhores casas de concerto do mundo e que passou a servir de sede para a Filarmônica. Na ocasião, foi executada The Dharma at Big Sur, composição para orquestra e violino elétrico. Com programas desse tipo, a orquestra conseguiu formar um público de música erudita interessado na produção moderna. Para a era Dudamel, preparou-se uma grande campanha de publicidade – que inclui até um jogo que pode ser acessado pelo computador ou baixado no iPhone e desafia a pessoa a "reger" uma obra do repertório do maestro. Vibrante, inovadora, americana sem provincianismo, a Filarmônica de Los Angeles é o lar perfeito para John Adams.