Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 03, 2009

Cosméticos: o dono da Clarins abre o jogo

Os limites da beleza

Divulgação
Um olhar realista
Monsieur Clarins: "Faltam-nos muitas respostas"


São raríssimos os executivos que, como o francês Christian Courtin-Clarins, 58 anos, falam abertamente sobre as limitações da indústria da beleza – um tabu no ramo em que atua há mais de trinta anos. "Não há milagres nesse negócio", resume ele, que há uma década está no comando da Clarins, uma das líderes mundiais em cosméticos e perfumes e a número 1 na venda de cremes na Europa. Ele sucedeu no posto ao pai, o médico Jacques Courtin (1921-2007), que fundou a empresa há 55 anos. Christian se faz tratar por monsieur Clarins, incorporando ao sobrenome a marca de seus cremes. "Isso ajuda nos negócios", diz ele, que vive em Paris com a mulher e as três filhas. Em passagem pelo Brasil, mercado que define como prioritário, ele falou à repórter Renata Betti.

NEM TUDO É VERDADE
A indústria de cosméticos viveu até quinze anos atrás à base de promessas que não se ancoravam em provas científicas. Tudo o que eu e meus concorrentes sabíamos sobre os cremes vinha, basicamente, da observação de seus efeitos – uma avaliação na qual cabia boa dose de subjetividade. De lá para cá, a tecnologia foi, afinal, tornando possível medir, com altíssima precisão, o impacto das substâncias sobre rugas e outras imperfeições. Todo cosmético, antes de ser comercializado, precisa agora ser submetido a uma série de testes em que sua eficácia é objetivamente aferida. Um avanço inquestionável. Isso não significa, no entanto, que 100% das promessas de um creme se concretizarão. Porque, ainda que a inspeção seja mais rigorosa, é notório no mercado que nem todos esses testes obedecem ao mesmo padrão, algo bastante difícil de controlar. Os testes fajutos servem para dar respaldo às falsas promessas de certos fabricantes.

NÃO HÁ MILAGRES
É ilusão acreditar que alguém vá perder 3 centímetros de cintura em um mês apenas aplicando um creme no corpo, coisa que alguns prometem. Eles omitem que os efeitos só serão visíveis se o uso de tal produto vier aliado à boa alimentação e à ginástica, muita ginástica. Nos últimos tempos, hou-ve avanços consideráveis na indústria da beleza, mas ela ainda sabe infinitamente mais sobre a prevenção de problemas estéticos do que sobre a correção deles. Os cremes podem ajudar a retardar a chegada dos sinais de envelhecimento, mas pouco podem fazer para reverter os estragos já deixados pelo tempo.

Rick Wilking/Reuters
Quanto custa um batom?
Cenário pós-crise nos Estados Unidos: o preço passou a ser um fator decisivo


O IMPASSE DA INDÚSTRIA
Os grandes fabricantes de cosméticos vivem hoje um impasse. O domínio das técnicas da nanotecnologia tornou possível levar o princípio ativo dos cremes até as camadas mais profundas da pele. Essa fronteira nunca tinha sido ultrapassada antes pelos laboratórios cosméticos. Isso é formidável, mas traz um problema novo que ainda não tem solução. Ao atingirem as camadas profundas, as substâncias ativas entram na corrente sanguínea. Até que aprendamos a controlar o processo de limitar as quantidades que caem na corrente sanguínea, o uso da nanotecnologia nos cosméticos continuará inviável. Essa é uma limitação fundamental para aumentar a eficácia dos tratamentos estéticos sem pôr em risco a saúde das pessoas.

MULHER ESQUELÉTICA, NEM PENSAR
Não contrataria a Kate Moss nem qualquer outra modelo do grupo das esquálidas para ser o rosto da minha marca. Elas parecem doentes, quando o que procuro é justamente associar meus produtos à ideia de saúde. Ainda que essas moças estejam à beira da perfeição estética, elas submetem-se a constantes intervenções que, quase sempre, fazem delas meras caricaturas de si mesmas. Para mim, isso funciona como antipropaganda da indústria da beleza.

OS HOMENS VÃO ÀS COMPRAS
Só recentemente eles começaram a ter algum peso em nosso faturamento. As vendas de cremes para homens já representam 7% do total – número que triplicou na última década e não para de crescer. É curioso que, embora já usem cosméticos de todo tipo, os homens ainda tenham vergonha de assumir isso com naturalidade, o que fica claro nas pesquisas. Demora um pouco até eles aceitarem falar sobre suas rotinas estéticas e, mesmo assim, é preciso garantir-lhes absoluta confidencialidade e anonimato. Lentamente, essa situação tende a mudar. Em Paris, muitos executivos usam base sob os olhos para esconder as olheiras, e alguns falam abertamente sobre isso.

PERFUME ENJOATIVO VENDE BEM
Não é fácil tornar-se um nome de peso no mercado de perfumes. Entre todos os consumidores, o universo da beleza tem os clientes mais infiéis. No mundo inteiro é a mesma coisa. Quando surge uma fragrância nova, 70% das pessoas decidem abandonar sua marca tradicional e experimentar a novidade. Depois de inúmeros erros e tropeços, compreen-di que o melhor caminho para a fidelização dos clientes não é criar uma essência que a maioria considere boa ou agradável. É verdade que esses são os perfumes que vendem muito bem de saída, mas figuram também entre os que são mais rapidamente preteridos. Das dezenas de fragrâncias que produzimos, as que realmente dão bom retorno financeiro são aquelas de essência marcante, doce, enjoativa mesmo. Elas são odiadas por muita gente, mas as pessoas que se sentem atraídas jamais trocarão de perfume. Só isso justifica o investimento. As margens de lucro são altíssimas. Com apenas 5% de participação nesse mercado, nosso faturamento anual com perfumes chega a 1,7 bilhão de dólares.

NA MIRA, OS EMERGENTES
Em nenhum outro canto do mundo a indústria da beleza cresce tanto quanto nos países emergentes, fenômeno que acompanha o crescimento da própria classe média de tais lugares. Só na China, o faturamento da Clarins dobrou no ano passado, ao passo que na Europa ele ficou estagnado. Ávidas por cremes e cosméticos, as chinesas dizem, em pesquisas, que estão dispostas a pagar "qualquer coisa" por um produto que torne sua pele mais alva –um sinal de status entre elas, que associam o bronzeado ao trabalho no campo. Curiosamente, um tom mais escuro é tolerado, e até desejável, mas apenas em uma das mãos. Sugere que aquela pessoa joga golfe, o esporte dos mais ricos. Investimos pesadamente para nos adaptar a essas e outras particularidades na China, do mesmo modo que na Índia ou no Brasil. Os brasileiros formam o terceiro maior mercado de cosméticos do planeta. Só nas classes A e B, são 20 milhões de pessoas – quase toda a população da Austrália. Por isso o Brasil é um mercado prioritário.

RESCALDO DA CRISE
A crise encolheu o mercado de beleza em 10%. Nos Estados Unidos, o baque foi ainda maior. Até meados de 2008, o mercado americano representava 15% dos nossos negócios. Ele responde hoje por apenas 10%. Lá, fomos prejudicados em duas frentes. Primeiro, as grandes lojas de departamentos cortaram algo como um terço de seus funcionários e, com isso, reduziram drasticamente o número de atendentes de plantão, que são fundamentais para vender esse tipo de produto. Foi fatal para nós. De outro lado, os americanos se tornaram mais seletivos e racionais ao comprar. Até na hora de escolherem um batom, o preço passou a ser um fator decisivo. Para sobreviver nesse novo cenário, será preciso inovar ainda mais na busca de soluções para os problemas de beleza que tanto angustiam as pessoas no mundo moderno.

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