JORNAL DO BRASIL
De repente, a crise da roubalheira do Senado foi sendo rebaixada das manchetes e da primeira página dos jornais, das capas de revistas e dos destaques dos noticiários das emissoras de televisão, com a promoção da campanha eleitoral e do bate-boca sobre o pré-sal.
Não é apenas o cansaço e o tédio enojado sobre as trapaças escondidas pelos atos secretos, a conivência e a audácia de diretores qualificados, cúmplices e autores de mágicas com o dinheiro da Viúva que desaparecia sem deixar rastro, com o desvio de milhões. Mas a dupla evidência que entrava pelas butucas até dos mais sonsos, que a desmoralização do Congresso – a níveis só igualados nos 21 anos da ditadura militar, com o rodízio dos cinco generais-presidentes, que manteve o Legislativo aberto mas sob a tutela da censura à imprensa, dos atos institucionais, das cassações de mais de uma centena de mandatos, dos senadores biônicos, da prática da tortura nas câmaras de suplício dos Doi-Codis, das prisões arbitrárias, da bomba do Riocentro – desembocaria num colapso da democracia, que não se sabe aonde iria parar. Os parlamentares afinal caíram em si. E, em poucos dias, trocaram o enredo da trama para a comédia que nos diverte e irrita.
Um a um, os caroços estão sendo desmanchados na máquina de moer das conversas entre adversários, que restabelecem as boas normas da convivência, esquecidas em episódios burlescos como a cena protagonizada por Eduardo Suplicy (PT-SP) a sacudir da tribuna do Senado, com as veias do pescoço intumescidas, o cartão vermelho para a expulsão de campo do presidente José Sarney, no arremedo do juiz de futebol que manda para o vestiário o jogador que comete falta desqualificante.
A coitada da reforma eleitoral, que levada a sério seria fundamental para passar o Congresso a limpo, foi esquecida durante meses e ressuscita na correria para a aprovação do disfarce de meia dúzia de remendos. Ora, para valer nas eleições de 3 de outubro de 2010, precisa ser aprovada até o dia 30 deste mês de setembro e sancionada pelo presidente Lula até 3 de outubro. Um dos relatores no Senado, Eduardo Azeredo (PSDB-MG) começou a negociar com a Câmara as alterações no parecer de sua autoria que deve ser aprovado pelo plenário do Senado na próxima terça-feira. Uma das alterações que tem a aprovação garantida é a extinção do artigo que proíbe aos sites veicular propaganda política ou difundir opiniões favoráveis ou contrárias aos candidatos e partidos.
Mas as negociações não avançaram além da manifesta boa vontade no acerto dos poucos temas polêmicos, como a proibição de comentários sobre candidatos, consideradas como uma forma de censura. O Congresso ainda não fez as pazes com a democracia. Mas avançou alguns passos. Desanuviado o ambiente, a ministra-candidata Dilma Rousseff voltou à campanha em grande estilo. Vestida com apuro, a peruca caindo do lado direito até a sobrancelha, Dilma concedeu uma entrevista à Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, e exibiu otimismo e bom humor. Não era para menos: afirmou que está curada do linfoma, o câncer nos gânglios linfáticos na axila esquerda, diagnosticado a tempo e tratado com radioterapia.
Com a impaciência do presidente Lula, sem prejuízo das suas viagens internacionais, a pré-campanha deve recomeçar nos próximos dias, maquiada pela desculpa da visita às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e as inaugurações dos primeiros blocos de apartamentos e casas residenciais do programa Minha Casa Minha Vida. Dilma não deu importância ao lançamento da candidatura da ex-ministra do Meio Ambiente, senadora Marina Silva, que se desligou do PT e ingressou no Partido Verde. A campanha, depois da largada do presidente Lula e da ministra Dilma, deu as costas para a crise e começa a descontar o tempo perdido. O governador de Minas, Aécio Neves, anunciou que vai se licenciar em novembro, por 15 ou 20 dias, do cargo, para uma agenda intensa de viagens no Nordeste e contatos com governadores do Norte. Até dezembro espera que as pesquisas confirmem poder disputar com o governador José Serra, de São Paulo, a indicação como candidato, que se apresenta em condições de conseguir o apoio, além do PSDB, de partidos da base aliada, como PP, PSB, PDT, PTB e outras legendas.
Ninguém segura a campanha. O que não se sabe é se ela conseguirá degelar a indiferença de grande parte do eleitorado, que promete ir à forra com o voto em branco. Até lá, o eleitor pode mudar de ideia.