Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 08, 2009

Merval Pereira A favor do debate

O GLOBO

O debate sobre o novo modelo proposto pelo governo para a exploração de 70% das reservas de petróleo da camada de pré-sal ganhou nova dimensão com a explicitação, por parte do presidente Lula, da intenção do governo de misturar o sentimento nacionalista do cidadão comum com aspectos técnicos que deveriam levar mais tempo para serem debatidos no Congresso.

Ao usar a data de Sete de setembro para afirmar, em cadeia nacional de rádio e televisão, que o pré-sal é “uma segunda independência”, e incitar os cidadãos a pressionarem seus representantes políticos para que aprovem o plano proposto pelo governo como sendo “o melhor para o Brasil”, o presidente está usando sua popularidade para colocar os parlamentares contra a parede.

O economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra estrutura (CBIE), ironiza a situação afirmando que “nunca antes neste país se viu o governo federal conduzir uma discussão sobre um tema da importância do pré-sal de forma tão autoritária e de maneira nada democrática”.

Ele considera “inaceitável” a tentativa de “jogar goela abaixo da sociedade brasileira”, através do regime de urgência constitucional, modificações na atual legislação do petróleo “que podem causar efeitos danosos para as futuras gerações”.

Além disso, Pires lança um novo dado na discussão: para ele, ao propor capitalizar a Petrobras com as reservas de petróleo das chamadas franjas em torno dos campos já licitados do pré-sal, “o governo cria um novo regime de cessão de direitos que irá conviver com o atual de concessão e o de partilha”.

Além de causar insegurança regulatória para as empresas privadas que já estão presentes nos campos licitados do pré-sal, com a decisão, “o governo não cumpre com a promessa de que a nova legislação não mexeria no passado”.

Para o economista, o projeto que cria a nova estatal Petrosal introduz no modelo de exploração do petróleo uma duplicidade desnecessária e perigosa ao propor para a nova empresa funções de gestora dos contratos de partilha e dos contratos de comercialização de petróleo e gás natural que já são atribuições de órgãos existentes.

A primeira função é atualmente exercida pela Agência Nacional do Petróleo, em relação aos contratos de concessão.

“Nesse sentido, a Petrosal vai esvaziar a ANP”, diz Pires, para completar: “O governo brasileiro abandona o modelo de controle da produção e fiscalização do campo por meio de uma agência reguladora e passa agora a ter essas funções exercidas por uma estatal com critérios pouco transparentes”.

A segunda função faz com que a Petrosal reencarne os antigos Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) e o Instituto Brasileiro do Café (IBC). “Trocar o papel de Estado arrecadador de impostos para comercializador de petróleo é um atraso, vide as experiências passadas com o IAA e IBC que só deixaram heranças malditas”, comenta Adriano Pires.

Outra função da Petrosal será participar dos comitês operacionais dos campos de petróleo, com poder de veto. Aos que afirmam que isso teria sido copiado da estatal norueguesa Petoro, o economista responde que não é verdade.

Segundo afirma, “na Noruega a estatal participa dos comitês operacionais porque a Petoro é investidora e, portanto, entra no risco do negócio. No Brasil, a Petrosal nada investe e apenas vai exercer uma ingerência política na administração dos campos”.

Também o monopólio na operação dos novos blocos do pré-sal é criticado pelo diretor CBIE, pois “tende a afastar investimentos das empresas petroleiras tradicionais e a trazer investimentos das empresas petroleiras estatais, em particular, as chinesas que possuem grande quantidade de capital e pouca experiência em operar campos de petróleo”.

Além de considerar inconstitucional o projeto de capitalização da Petrobras, Pires diz que ele “acaba prejudicando os acionistas minoritários, inclusive os do FGTS, quando o governo cede os direitos de suas reservas para a Petrobras”.

Na sua concepção, um país como o Brasil, “que possui um parque industrial moderno e dos mais competitivos do mundo, um sistema tributário sofisticado e eficiente, estabilidade econômica e um regime democrático consolidado, não pode e não deve adotar um modelo anos 50 para o setor de petróleo”.

Ele também acha que a volta do monopólio da Petrobras como a única operadora dos blocos do présal ainda não licitados “tende a afastar investimentos e a aumentar o risco da estatal, dado que a empresa será obrigada a aportar recursos em todos os blocos com um mínimo de 30%”.

Além disso, diz Pires, o monopólio na operação dos novos blocos do pré-sal “transformará a Petrobras na única compradora de bens e serviços para a indústria do pré-sal no Brasil, e com isso a indústria arcará com risco de ter somente um comprador, e a Petrobras terá o risco de ser obrigada, por uma política paternalista, a pagar mais caro pelos bens e serviços”.

Na coluna de sábado, “Visões para 20 anos”, feita com base em um trabalho dos economistas Claudio Porto e Rodrigo Ventura, da consultoria Macroplan Prospectiva, Estratégia & Gestão, havia uma informação errada sobre a produção diária de petróleo no Brasil, confundida com as reservas totais do país.

O Brasil em 2008 tinha reservas provadas de 14 bilhões de barris de petróleo (em 1969, eram de 1,1 bilhão), o que o coloca na 16aposição no ranking mundial dos países com maiores reservas da commodity.

Com as reservas do pré-sal já licitadas nos campos de Tupi, Iara e Parque das Baleias (29% de toda a área do présal), a reserva nacional pode saltar para 30 bilhões de barris na próxima década.

Em 2008, o Brasil produziu em média 2 milhões de barris dia, e as previsões mais conservadoras para 2015 apontam que alcançaremos uma produção de 3,5 a 4 milhões de barris dia.

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