Potente mas em marcha lenta
Gigante dos livros em Portugal, o grupo Leya, do empresário
(e piloto) Miguel Pais do Amaral, tentou comprar uma grande
editora no Brasil, não encontrou bons preços – e agora se prepara
para lançar, por conta própria, seus primeiros títulos no país
Jerônimo Teixeira, de Lisboa
Fotos Paulo Amorim e Divulgação |
ARRANCADA INTERNACIONAL Na montagem, o carro de corrida do empresário Miguel Pais do Amaral (acima): caçadas, 24 Horas de Le Mans – e livros |
Nesta sexta-feira, um coquetel no Palácio São Clemente, sede do consulado de Portugal no Rio de Janeiro, celebrará o início das atividades do grupo editorial Leya no Brasil. Até o fim do ano, a nova editora deve lançar vinte títulos, começando em outubro com O Rastro do Jaguar, romance de estreia do brasileiro Murilo Carvalho, ganhador, no ano passado, de um prêmio literário instituído pelo próprio Leya. É uma largada modesta, se comparada ao plano original que se tentou pôr em prática no ano passado: adquirir uma grande editora no país. A agressividade das ofertas de Isaías Gomes Teixeira, administrador executivo do grupo, criou certa fricção com alguns editores brasileiros. Jornalista e ex-diretor de empresas de comunicação, Gomes Teixeira tende a ser visto mais como empresário do que como editor. O principal acionista do Leya tampouco é um homem com experiência no mundo dos livros: Miguel Pais do Amaral, de 55 anos, um dos maiores empresários de Portugal, já esteve à frente de um império da comunicação, o Media Capital, que abrangia jornais, revistas e uma emissora de TV, e hoje mantém a Leya como ponta de seus investimentos – que incluem ainda negócios nos mercados imobiliário e financeiro, em tecnologias de informação e em recursos naturais. Discreto na vida pessoal e no modo de conduzir seus negócios, Pais do Amaral gosta de romances policiais (está lendo a série Millennium, de Stieg Larsson), é um aficionado das caçadas (já foi a safáris na África, mas hoje só alveja perdizes) e também piloto de corridas (já participou quatro vezes das 24 Horas de Le Mans, uma das maiores provas do circuito automobilístico europeu). "Depois de um fim de semana nas corridas, volto para o trabalho mais disposto, com a cabeça leve", disse Pais do Amaral a VEJA, em seu escritório decorado com troféus conquistados nas pistas. O empresário e seu executivo têm um projeto claro e ambicioso: montar uma editora que seja referência internacional para a literatura de língua portuguesa. E o Brasil, nesse plano, é uma etapa incontornável. "Não temos ilusão de ocupar uma posição expressiva no mercado brasileiro de imediato. Mas também não temos pressa", diz Gomes Teixeira.
Maior editor de livros de interesse geral e o segundo maior de obras didáticas (atrás da Porto Editora) em Portugal, o Leya surgiu em 2007 para agrupar várias editoras que Pais do Amaral vinha comprando na época. Hoje, tem 21 selos editoriais, dois deles na África. Publica cerca de 1 300 títulos novos e produz mais de 20 milhões de exemplares por ano, com um faturamento de 95 milhões de euros. No Brasil, o Leya ainda não conquistou um nome realmente grande das letras nacionais (disputou o passe de Rubem Fonseca, que acabou na Agir, do grupo Ediouro). Em Portugal, porém, concentra praticamente todos os escritores contemporâneos de relevo. A editora Caminho, que publica José Saramago, e a Dom Quixote, de Lobo Antunes, pertencem ao Leya. Quando o grupo surgiu, autores e profissionais do livro temiam que as editoras perdessem sua identidade, engolidas pelo gigante – mas as diferentes linhas editoriais foram conservadas.
O Brasil é um país atraente para editores estrangeiros. O aumento dos níveis de educação e do poder aquisitivo das classes mais baixas aponta grandes possibilidades de crescimento do público leitor. A entrada de editoras estrangeiras tem sido mais bem-sucedida em associação com casas locais – o caso de maior sucesso foi o do grupo espanhol Santillana, que comprou a Moderna, do setor de didáticos, e 75% da Objetiva. A Leya chegou a firmar um contrato de intenção de compra com a Nova Fronteira, do grupo Ediouro, mas, examinando os resultados da editora em 2009, concluiu que a cifra pedida não era compensadora. A Nova Fronteira permaneceu no grupo Ediouro, mas teve parte de sua estrutura dissolvida para cortar custos – a casa que alugava havia anos em Botafogo, no Rio de Janeiro, foi desocupada, e o diretor Mauro Palermo e a editora Izabel Aleixo, entre outros, saíram da equipe.
Charles Bahia |
SEM PRESSA Isaías Gomes Teixeira, executivo do Leya: referência para a língua portuguesa |
Mesmo que ainda discreta, a entrada de um novo grupo internacional no Brasil traz uma vantagem para o leitor: incrementa a oferta de títulos e a competição. Foi o que ocorreu com o investimento da Santillana na Objetiva – que assim pôde lançar seu excelente selo literário, o Alfaguara. Estudo recente da Fipe, realizado sob encomenda da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, mostra um decréscimo no preço médio do livro entre 2004 e 2008, de 8,58 para 8 reais – uma queda que é atribuída sobretudo à concorrência. Com a guerra cada vez mais acirrada por espaços de exposição nas grandes redes de livrarias, tornou-se mais difícil para as pequenas editoras imporem seus títulos. Sociedades e fusões são, nesse contexto, uma estratégia inteligente – um bom exemplo é a venda, em 2007, de 50% da Intrínseca, do editor Jorge Oakim, à Sextante, dos irmãos Marcos e Tomás Pereira. Juntas, as duas editoras detêm nove das trinta posições da lista de mais vendidos de VEJA nesta semana. A Leya, no Brasil, terá de construir, do zero, um bom catálogo de livros e autores e vendê-lo em um mercado disputado. Mas conta com a potência portuguesa para chegar lá.
Marcelo Correa |
COMPETIÇÃO ACIRRADA Jorge Oakim (centro), da Intrínseca, Marcos (à esq.) e Tomás Pereira, da Sextante: parceria bem-sucedida |