Há na vida dos mandatários de índole populista um momento em que a autoelevação, o sentimento de onipotência, os deixa muito próximos da Providência Divina. Imbuem-se da missão determinada pelo Senhor para conduzir o povo à terra prometida. Apreciados e bem avaliados pelas comunidades, com prestígio maior que antecessores, consideram-se imbatíveis, incomparáveis e infalíveis. Sua expressão é a extensão da verdade, sua crença remove qualquer montanha de dúvidas que, por acaso, se contraponha ao voluntarismo que os impregna. Governam plasmando a realidade com metáforas e lapidando a mitomania com a pintura de palanque. Igualam-se às divindades, atribuem-se poderes extraordinários e, como Prometeu, tentam passar a impressão de que só eles são capazes de conhecer os segredos do Olimpo. Se a descrição parece exagerada, até porque não se vive mais (ou ainda se vive?) o ciclo dos Estados absolutistas, não se pode descartar por completo a hipótese. É evidente que governantes modernos procuram se amparar numa base mínima de racionalidade, mas, em certos territórios, a barbárie ainda deixa laivos de rusticidade. Ritos ditatoriais ou de talhe fundamentalista marcam presença. No Oriente Médio a estampa é conhecida. Mesmo em governos que se proclamam democráticos a deificação de perfis tem sido prática recorrente. O "timoneiro" e vizinho Hugo Chávez corre mundo como a reencarnação de Simón Bolívar.
Se o leitor imaginava que o "nariz de cera" acima foi feito para adornar a fisionomia do nosso presidente, acertou em cheio. Não se trata de dizer que Lula usa por inteiro o manto sagrado. Só uma parte. Aquela que lhe convém. O ex-metalúrgico é um exemplo acabado da dinâmica social brasileira. Saiu da base profunda para o vértice da pirâmide. Entre as primeiras falas, quando cometia um "menas" verdade, e esta dourada fase em que se dá ao luxo de corrigir a expressão de ministros - acaba de corrigir o "interviu" do ministro Tarso Genro por "interveio" - deu um salto extraordinário. O refinamento do modo Lula de ser deu-lhe o direito de se sentar ao lado de Zeus, senhor do Olimpo, onde impera sob a graça da onipotência. Suas perorações são cada vez mais alinhavadas de lições virtuosas que só um espírito deificado é capaz de fazer. Querem um exemplo? O motivo que ele apresenta para adquirir dos franceses 36 caças Rafale, 5 submarinos e 50 helicópteros: defender as riquezas do pré-sal. Piratas da Somália, que raptam navios cargueiros nas costas da África, constituem séria ameaça às nossas reservas? Ou haverá ameaças mais iminentes? Há. O presidente assim enxerga: "Os homens já estão aí com a 4ª Frota quase em cima do pré-sal." Sob essa visão apocalíptica, justifica-se a compra dos aviões franceses e, se alguém questiona o preço mais alto dos caças em comparação com os americanos, retruca: "Daqui a pouco eu vou receber de graça." Ou seja, não é o Brasil que vai receber, mas é ele, o Rei-Sol, o nosso Luiz XIV, o destinatário das aeronaves. "L"État c"est moi."
Apontar a 4ª Frota como ameaça parece piada. Mas saindo da boca de Luiz Inácio a expressão ganha foro de verdade. Afinal, quem é dono da flauta dá o tom. Lembrando: essa frota foi desativada há 50 anos, tendo sido restabelecida em junho último com o propósito de combater o comércio de drogas, apoiar navios em situações de desastre e ajudar em missões de paz na América Latina e no Caribe. Mas os governantes da região a distinguem como ameaça à soberania de seus países. Imaginar que os Estados Unidos, que ainda portam o título de nação mais desenvolvida do mundo, possam vir a sequestrar petróleo de amigos é querer fazer pânico em festa noturna de sexta-feira 13. Pode ser que Lula, com a lupa de futurólogo, veja o cenário entre 1920 e 1925 e se depare com a 4ª Guerra Mundial, com os americanos liderando um bloco de países vorazes e dispostos a sequestrar o óleo de fontes produtoras. Mas o que dizer quando a previsão é de que o ouro negro do pré-sal só vai aparecer daqui a 10 ou 15 anos? E se nessa época o preço do petróleo, diante do boom do etanol, não compensar a manutenção de altos investimentos?
Por essa e por outras, Luiz Inácio começa a sentir os primeiros balanços da torre que o sustenta. Assumiu a defesa de José Sarney com um discurso anacrônico; aflige-se com as obras empacadas do PAC; de braços cruzados, contempla a expansão da insegurança e a deterioração do sistema de saúde. Esse rescaldo da fogueira explica a queda de 4,7 pontos na avaliação presidencial, segundo a última pesquisa Sensus. Para resgatar os altos índices de aprovação Sua Excelência tentará transformar o pré-sal no hino de elevação da autoestima a ser cantado no altar de um nacionalismo revigorado. A intenção? Atrair o rebanho que lhe é fiel para o curral de sua pré-candidata, a ministra Dilma Rousseff, cuja pontuação entrou em queda. O ciclo de vida do sermão de Cristo na montanha dura até hoje. Até quando o sermão de Lula no palanque atrairá as massas? Como Lula se acha parente do Mestre Divino, deve acreditar que seu verbo brilhará nos horizontes dos tempos.
Para tanto fez a escolha: a ética de resultados, em vez da ética de princípios. Por essa via caminhará com disposição e verve - e haja verve - para imprimir na consciência social o traço narcisista que recorta a face da administração: Lula aqui, ali e acolá, ele e sua sombra, ele e o espelho. Campanhas publicitárias, blog, discursos repetitivos, eventos em série, lobo e cordeiro andando juntos (ele é o cordeiro), tudo regrado pelo jogo dialético: "Este país pisava na miséria, hoje navega no progresso." Querem saber o que pode tirar Lula do Olimpo? O narcisismo. A parafernália comunicacional, regada de tecnologia, planejada para animar e monitorar o consciente e o inconsciente da população, redundará no efeito "copo transbordante", aquela conhecida sensação de coisa já vista e revista, ante a qual as pessoas tendem a reagir negativamente. Zaratustra, o profeta, diria: "Cansei-me das velhas línguas. Não quer mais o meu espírito caminhar com solas gastas."
Entrevista:O Estado inteligente
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