Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 04, 2008

Luiz Garcia - Uma bolinha de neve



O Globo
4/4/2008

Política também é cultura. Quer dizer, falando sério, seria bem bom que fosse.
Não no sentido de se exigir algum diploma ou prova de títulos dos praticantes da sacrificada profissão: seria pouco democrático. E não faltaria quem reclamasse da falta de representação do PIB - o vasto e informal Partido Ignaro do Brasil.

Assim, não espanta nem irrita que cidadãos de reduzida educação formal subam aos chamados píncaros do poder, onde o ar é rarefeito e a vista alcança longe. A propósito, estas são condições que satisfazem as mais ansiosas ambições. Também costumam deixar pessoas sensíveis um pouco tontas.

Mas nada disso deveria ser desculpa para que habitantes dos mencionados píncaros abrissem a boca para palpitar sobre o que não sabem. Especialmente se o fazem com a naturalidade e a ênfase de quem realmente domina os assuntos que abordam.

Esse vasto e verboso intróito vem a propósito de extraordinária declaração, outro dia emitida espontaneamente pelo risonho vice-presidente José Alencar. Obviamente empenhado em cruzada particular para promover um terceiro mandato para Luiz Inácio Lula da Silva, ele disse: "Nos EUA, são quatro anos mais quatro. Mas, nos anos 30, Roosevelt teve o terceiro mandato porque os EUA precisavam que ele continuasse."

Quase lembra a escolinha do Professor Raimundo. A verdade histórica é que, nos EUA, o número de mandatos era ilimitado até o início dos anos 50, quando uma emenda constitucional reduziu-os a dois. E Roosevelt na verdade passou do terceiro mandato: em 1944, chegou ao quarto. Mas - é bom repetir - em nenhum caso por alguma mudança das regras do jogo em seu favor: reeleições sem limite eram permitidas pelas normas em vigor desde a independência.

Ele só não completou 16 anos na Casa Branca, sem qualquer mexida na Constituição, porque morreu semanas após a última posse.

Portanto, tudo bastante diferente do que algum amigo ou assessor, mal-intencionado ou mal-informado, soprou para o nosso vice.

A propósito, a única vez que os EUA mudaram as regras da reeleição foi para limitar o seu número a uma apenas - exatamente o sistema que vigora hoje no Brasil.

Parece ser boa idéia: não existe sistema presidencialista, em países de boa tradição democrática, autorizando mais de dois mandatos. É diferente no parlamentarismo, que não estabelece limites para a permanência de primeiros-ministros no poder. Mas é bom lembrar- antes que o nosso vice se entusiasme outra vez - que as diferenças entre governos parlamentaristas e presidencialistas são de profundidade e variedade consideráveis. Não dá para levar de um para outro rigorosamente coisa alguma.

Vale a pena gastar tanta tinta para corrigir um equívoco possivelmente, talvez, quem sabe, sem malícia? Talvez seja maldade com o nosso vice. Lamento, mas existe uma regra de ouro para bolas de neve: só é fácil detê-las quando ainda mal começam a rolar encosta abaixo.

Arquivo do blog