Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 30, 2008

Merval Pereira - O princípio e o fim



O Globo
30/4/2008

A decisão da executiva nacional do PT de proibir a coligação com o PSDB em Belo Horizonte é uma questão de "principismo". E, por isso mesmo, dificilmente será revertida. Essa expressão vem do início dos anos 80 do século passado, quando se discutia a criação do Partido dos Trabalhadores. Na impossibilidade de encontrar definições que agradassem às várias tendências e grupos internos, a estratégia do partido acabou sendo subordinada ao que chamam de "principismo", uma série de princípios gerais supostamente de esquerda que poderiam ser adotados por qualquer corrente sem constrangimentos.

Em nome desses "princípios", por exemplo, o PT se recusou durante muito tempo a fazer acordos, ou a participar de alianças partidárias. Não aceitou entrar na frente oposicionista, inclusive no governo de transição de Itamar Franco, após a queda de Collor; o que o próprio Lula já reconheceu ter sido um grave erro do partido. Também não assinou a Constituição de 1988.

Lula, auto-definido como uma "metamorfose ambulante", admitiu recentemente que mudou de opinião sobre o "principismo" ao virar presidente, alegando não ser "um poste, mas um ser humano". Na versão atual de Lula, "não se governa com principismo".

Assumindo uma posição política que poderia ser vista como cínica, mas é tida como pragmática, Lula ensina que "principismo você faz no partido, quando pensa que não vai ganhar nunca as eleições. Quando vira governo, governa em função da realidade que tem".

Lula, farejando que o poder estava a seu alcance em 2002, já havia derrubado esse "principismo" quando exigiu a formação de uma aliança política com a direita, dando a vice-presidência para o empresário José Alencar.

Foi também mandando o "principismo" às favas que Lula contratou para a sua campanha o marqueteiro Duda Mendonça, que fora o estrategista das campanhas de ninguém menos que Paulo Maluf. E continua se afastando do "principismo" que ainda amarra o PT, quando insiste em dar espaço político aos partidos que formam a coalizão do governo no Congresso.

Mas, ao que tudo indica, não conseguirá convencer o PT a aceitar que o governo tenha um candidato único à sua sucessão que não seja um petista genuíno. Tanto que explicitou, em entrevista recente, que a ministra Dilma Rousseff não é a escolhida definitiva para esse papel, provocando uma discreta comemoração da cúpula petista, que não vê com bons olhos as origens brizolistas da ministra.

Pois a estratégia do governador mineiro Aécio Neves, de fazer de Belo Horizonte o laboratório de uma ampla coalizão nacional que o leve ao Palácio do Planalto em 2010, com o assentimento de Lula, esbarrou num "principismo" estabelecido logo no início do primeiro governo pelo então todo-poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu - que determina que o adversário principal do PT é o PSDB, e, como os dois disputam o mesmo espaço político, não há acordo possível.

Essa decisão está na origem do que o deputado Ciro Gomes, do PSB, chama de "prepotência paulista", e prevalece até hoje na presidência de Berzoini, um seguidor da antiga "Convergência", grupo historicamente liderado por Lula e José Dirceu.

O prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, que representa uma ala petista que teima em modernizar os valores do partido, não aceita "principismos" e pretende recorrer.

Mas tudo indica que não terá forças para reverter a decisão, tomada pela maioria que predomina, tendo como prioridade manter a máquina de poder partidária. E Pimentel surge no cenário político como uma estrela independente no segundo maior colégio eleitoral do país.

Mas o "principismo" petista só funciona contra o PSDB; cede lugar ao pragmatismo e não impede que se faça uma aliança com toda a direita partidária que não está no Democratas - PP, PTB, PR -, e nem proibirá o apoio no segundo turno ao bispo Crivella na disputa da prefeitura do Rio, na hipótese mais que provável de que o candidato petista Alessandro Molon não chegue lá.

E também não impediria que a candidata petista à prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, fizesse um acordo com Orestes Quércia, em busca dos minutos de televisão que o PMDB tem.

O governador José Serra foi mais rápido e patrocinou a união do PMDB com o prefeito Gilberto Kassab, do DEM, mostrando sua capacidade de articulação política. Mas também que não segue "principismos" quando se trata de garantir alianças políticas.

Mesmo que ela seja com aquele que provocou a dissidência no PMDB e que levou à criação do PSDB. O ex-governador Geraldo Alckmin, que será candidato à prefeitura de São Paulo contra a vontade da cúpula tucana, pretende aproveitar essa contradição partidária para reavivar sua ligação com Mario Covas, o ex-governador paulista que provocou essa dissidência contra o que Quércia representa na política.

Mas, também ele, se pudesse, teria aceitado o apoio do PMDB paulista. Como diz Lula, o "principismo" só serve quando não há chances de vencer uma eleição.

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