O Globo |
29/4/2008 |
Os ventos estão mudando no mundo todo, trazendo de volta o fantasma da inflação, mas sua queda generalizada na América Latina, de uma média de 11,3% em 2003 para 5,7% no ano passado, ainda faz a festa dos presidentes. Dados do FMI mostram que o ciclo que, ao que tudo indica, se encerrou com a crise econômica dos Estados Unidos trouxe um crescimento da economia mundial, entre 2003 a 2006, sem paralelo na história recente. A expansão do comércio internacional só ocorreu em tal nível no início da década de 50 e no começo da década de 70. Também as taxas de inflação mundial nesse período são só comparáveis às obtidas nas décadas de 50 e 60. O festival de boas novas é tão grande que o presidente Lula, com um governo aprovado por 55% dos brasileiros, é apenas o sexto presidente mais popular da América Latina, segundo o instituto de pesquisas mexicano Consulta Mitofsky, que realizou pesquisas entre março e abril. O chefe de Estado mais popular da região, antes das denúncias de apoio a um esquema paramilitar por políticos importantes de seu governo, era o colombiano Álvaro Uribe, com o apoio de 84% da população, e uma taxa de inflação em queda de 4,3%. Em segundo e terceiro lugares aparecem os presidentes do Equador, Rafael Correa, com 62% de aprovação, e do México, Felipe Calderón, com 61%. A popularidade não tem ideologia. Não é à toa, portanto, que tanto no Brasil quanto na Colômbia existam campanhas pelo terceiro mandato seguido de seus presidentes populares, e mais uma vez vê-se que a vontade de permanecer no poder não é exclusiva de uma tendência ideológica. Os benefícios do poder são indistintos, tanto para a esquerda quanto para a direita. E tampouco é uma tendência do momento. Na virada do século, o sucesso dos planos econômicos fez com que Menem, na Argentina, tentasse em vão e Fujimori, no Peru, se reelegesse para um terceiro mandato, que conseguiu com um golpe parlamentar. O fracasso de Fujimori, que menos de um ano depois teve que fugir do país acusado de corrupção, fez com que por aqui os que namoravam a tese do terceiro mandato desistissem. A pesquisa do CNT/Sensus divulgada ontem, que mostra que 50,4% são favoráveis a mais um mandato para Lula, estimula os que acalentam essa esperança como única saída para a manutenção do poder em 2010, já que a mesma pesquisa continua mostrando o governador de São Paulo, José Serra, do PSDB, como o favorito para a sucessão. Mas é preciso atentar para o fato de que a pesquisa mostra um país virtualmente dividido em relação a um terceiro mandato, com 45,4% da população se declarando contrária à possibilidade de permanência de Lula no poder, mesmo com um nível de aprovação recorde de 57,5% em abril. Há também o fato de que, há cerca de cinco meses, outro instituto, o Datafolha, mostrou que 65% eram contrários ao terceiro mandato. Somente na próxima pesquisa desse instituto poderemos confirmar se houve mesmo uma mudança de posicionamento da população ou se o resultado que o Instituto Sensus captou agora não é uma tendência consistente. Mas não basta ter uma maioria presumida nas pesquisas de opinião popular para que uma questão esteja sacramentada. O projeto de permitir um terceiro mandato seguido é no mínimo polêmico, e seus patrocinadores, se fossem adiante, correriam o risco de jogar o país em uma disputa política radicalizada que em nada ajudaria a democracia. Por coincidência, o presidente Lula dera uma entrevista na véspera a órgãos dos Diários Associados em que foi mais enfático do que o habitual ao classificar de "obscena" a tentativa de um terceiro mandato seguido, e ele mesmo disse que quem quer um terceiro, pode querer um quarto, e assim por diante. Mas há também fatores conjunturais que podem dificultar a campanha, ou pelo menos reduzir sua viabilidade política. E é preciso saber interpretar os sinais. Todo esse festival de popularidade na região pode estar chegando ao fim com o risco da volta da inflação e a deterioração da economia internacional. As previsões por aqui, mesmo depois de o Banco Central ter aumentado os juros, são de alta da inflação, e ontem o déficit em conta corrente fechou o primeiro trimestre em US$10,7 bilhões, puxando o dólar para cima, já acima da previsão inicial para o ano, de US$7 bilhões. O presidente Lula tem algumas obsessões, uma delas é evitar a qualquer custo "a maldita da inflação". Lula é capaz até mesmo de agüentar um torcicolo para aceitar que o Banco Central suba os juros, porque sabe que é a inflação baixa que potencializa os efeitos dos programas sociais e do aumento do salário mínimo. Como o papel do câmbio no controle da inflação é fundamental na política econômica atual, o aumento do déficit de conta corrente, valorizando o dólar, melhora a exportação, mas traz problemas para o controle dos preços, sobretudo o da cesta básica, agravado pela crise mundial de alimentos. Os economistas chamados desenvolvimentistas se preocupam com o que consideram dependência externa da economia, que impediria o crescimento saudável. Ao mesmo tempo, o consumo dos cidadãos e do próprio governo continua aumentando num ritmo próximo de 8% ao ano, acima do crescimento do PIB, o que também pressiona a inflação. Os custos da Previdência, o maior gasto do governo, serão aumentados caso a base parlamentar não consiga derrubar na Câmara as mudanças feitas no Senado, que acabam com o fator previdenciário e estendem a todos os aposentados os aumentos reais do salário mínimo. Esse equilíbrio precário dos vários fatores que levam o país a um crescimento sustentado é a ameaça futura a ser enfrentada por um governo que até agora só navegou em mar de almirante. |
Entrevista:O Estado inteligente
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