Na história da tributação é evidente um conflito permanente entre justiça e eficiência. Conferir atenção isolada aos fundamentos de justiça fiscal pode comprometer a eficiência da política tributária, tornando, por via de conseqüência, ineficaz a motivação original. De igual modo, privilegiar apenas a eficiência pode significar um simplismo que violenta as bases doutrinárias da tributação, nomeadamente o princípio da capacidade contributiva.
Uma boa política fiscal é aquela que consegue conciliar adequadamente justiça com eficiência, quer de forma genérica, quer em situações concretas. É nesse contexto que ganha cada vez mais força o princípio da praticabilidade que consiste em buscar soluções que viabilizem determinadas soluções tributárias, não raro se distanciando de regras mais gerais ou abstratas. Ainda que não tenha sido incorporado ao direito positivo brasileiro, esse princípio tem sido freqüentemente invocado na formulação da política tributária. Algo análogo ao que ocorreu com o princípio da eficiência administrativa, somente incorporado ao texto constitucional brasileiro depois de uma longa maturação no território doutrinário.
O princípio da praticabilidade tem sido explorado por inúmeros autores, como Fritz Neumark (“Princípios de la Imposición”), Casalta Nabais (“O Dever Fundamental de Pagar Impostos”) e, mais recentemente, por Regina Helena Costa (“Praticabilidade e Justiça Tributária”).
A amortização parcelada de passivos fiscais é um campo fértil para exercícios de praticabilidade. Muito freqüentemente, os entes federativos recorrem ao parcelamento de tributos, como forma de viabilizar a liquidação de passivos fiscais.
Na origem desses passivos estão a desproporcional carga tributária sobre determinados tipos de contribuintes, o longo prazo compreendido entre o lançamento do tributo e sua liquidação, a lamentável expectativa de que haja alguma anistia ou remissão, etc. Não vamos explorar essas causas. Admitida, entretanto, a existência da dívida fiscal, convém ao contribuinte e ao fisco encontrar alguma solução para liquidar o passivo e assegurar a preservação da atividade econômica. O parcelamento, entendido como mera dilação de pagamento e não como um perdão de tributos ou multas, tem sido ferramenta útil para consecução desse objetivo.
Usualmente, o parcelamento consiste em repartir o passivo tributário em um determinado número de meses, fixado em lei específica. Exceto nos casos de parcelamentos de curto prazo, como os associados ao pagamento do débito remanescente nas declarações de ajuste do IRPF, a repartição da dívida fiscal em parcelas mensais incorre em equívoco de concepção.
O pagamento mensal presume capacidade de pagamento por parte do devedor. Não é sequer razoável cogitar de compatibilidade entre longos prazos de pagamento, com parcelas fixas, e a capacidade de amortização da dívida por um contribuinte, sujeito às imprevisibilidades e sazonalidades de mercado. De mais a mais, o número fixo de parcelas repercute com total desigualdade entre os devedores, tendo em conta sua respectiva capacidade de pagamento e o montante da dívida.
Nesses casos a única saída para liquidar a dívida é remetê-la a um indicador da capacidade de pagamento do devedor. O melhor deles seria o lucro. Tal hipótese revela-se, todavia, inexeqüível, pois a apuração do lucro é posterior às datas de pagamento mensal da dívida. A alternativa é eleger uma presunção do lucro, a partir de um percentual da receita bruta. Parcelamentos construídos com bases nessa regra permitem conciliar a liquidação da dívida com a capacidade de pagamento do devedor, prevenindo inclusive as vicissitudes de mercado.
Alguns ficam perplexos porque nos parcelamentos com base em percentuais de receita bruta os prazos de amortização podem ser muito longos. É verdade. Não esquecer, contudo, que esses prazos traduzem tão-somente o montante da dívida e a capacidade de pagamento do devedor. Além disso, em determinadas ocasiões, longo prazo de pagamento é melhor do que jamais receber. Justamente por essa razão é que inúmeros procuradores e juízes de execução fiscal têm estipulado o pagamento da dívida tributária com base em percentuais do faturamento.
É evidente que a concessão da forma preconizada de parcelamento exige a adoção de inúmeras medidas que evitem a fraude e estabeleçam exigências que não induzam o bom pagador a enxergar vantagens em constituir dívidas fiscais. A principal delas é a rescisão do contrato de parcelamento em virtude de atos tendentes a subtrair receitas ou patrimônio, a inadimplência em relação aos débitos correntes, etc.
Pragmatismo bem dosado sempre foi um bom remédio político, Deve ser também para a política fiscal.
Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal