O deputado federal Ciro Gomes confirmou só agora que o Brasil esconjurou um perigo de bom tamanho ao implodir, nas eleições de outubro de 2002, a aventura presidencial do ex-governador Ciro Gomes. Segundo o parlamentar do PSB, o candidato do PPS não estava preparado para exercer o cargo que disputava pela segunda vez. Hoje com 50 anos, ele jura que ficou muito grato ao Senhor pela derrota sofrida aos 44. "Graças a Deus!", exclama.
"Oremos!", deveriam estar repetindo em coro, a cada cinco minutos, os 10.170.882 eleitores (ou 12% dos votos válidos) que embarcaram no Ciro-2002. "Deus é grande!", deveriam estar berrando, de joelhos, os 7.426.187 (11%) que viajaram no Ciro-1998, um pouco mais novo e bastante mais perigoso. Ainda que muitos não soubessem o que estavam fazendo, todos pecaram. O que devem fazer, para redimir-se, os participantes desse linchamento da sensatez?.
Comprar um Ciro-2010, sugere o piloto já acelerando no grid, à espera de mais uma largada. "Estou bem mais maduro", garantiu no fim do verão. Nem tanto, constatou o país antes que o outono chegasse. Se tivesse amadurecido, não teria, por exemplo, espantado o Brasil sensato com o enredo produzido para explicar a ascensão e a queda do deputado Severino Cavalcanti, do PP pernambucano.
Até este abril, Severino imaginava que se tornara presidente da Câmara por culpa do PT, capaz de dividir-se entre dois candidatos companheiros, e perdera o cargo por ser incapaz de extorquir sem ruídos o dono de um restaurante no Congresso. Nem isto nem aquilo, descobriu Ciro. "Havia uma trama de elite para melar o jogo de quem estava fazendo o salário mínimo galopar, de quem estava fazendo o Bolsa Família", revelou.
Como, Excelência? "Quando foi eleito o Severino, aquilo era um passo do golpe, que o Aécio Neves até tentou impedir", complicou. "Era para o Severino receber o pedido de impeachment e derrotar o Lula. Mas ele acabou não recebendo porque aderiu a Lula". Inconformados com o ingresso do traidor no Clube dos Amigos de Infância do Presidente, os conspiradores resolveram confiscar-lhe o empregão. Grande Ciro.
O Brasil esquece a cada 15 anos o que aconteceu nos últimos 15 anos, percebeu Ivan Lessa. Políticos brasileiros conseguem esquecer de onde vieram assim que se instalam no endereço novo. Ciro Ferreira Gomes, por exemplo, ataca a "elite paulista" como se tivesse nascido não em Pindamonhangaba, no sobrado de gente rica a 160 quilômetros da Praça da Sé, mas em alguma trincheira escavada pelas tropas que sufocaram a insurreição de São Paulo em 1932..
Para fustigar a direita em geral, faz de conta que não começou a carreira política em 1982, quando se elegeu deputado estadual pelo PDS, então a serviço do general João Figueiredo. Para bombardear o PSDB em particular, faz de conta que não era um tucano de vistosa plumagem quando governou o Ceará, ou quando foi nomeado ministro da Fazenda pelo presidente Itamar Franco. Para reiterar declarações de guerra às oligarquias reacionárias, faz de conta que não é uma genuína cria do clã dos Ferreira Gomes, que há décadas controla o município de Sobral, retomou em 2006 o governo do Ceará e continua sonhando com o poder central.
O sonho não parece impossível, informou na semana passada a pesquisa mais recente do Instituto Sensus. Quando o levantamento começou, o país já ouvira as confissões de Ciro. Também conhecera seu irmão Cid Gomes, governador do Ceará, e, por ter superado em companhia da sogra o recorde de milhagem aérea com dinheiro dos outros, Genro do Ano. Nada demais, resolveram 17% dos entrevistados, que mantiveram Ciro na vice-liderança.
O Brasil acha excitante viver perigosamente de tempos em tempos, avisam os retratos de Jânio Quadros e Fernando Collor na parede do Planalto. O quarto andar sobreviveu a doidos de pedra e napoleões de hospício. Que tal testá-lo com um cinqüentão maluquinho?