Há nada menos que cem mil ONGs (Organizações Não-Governamentais), brasileiras e estrangeiras, lá instaladas, com a nobre missão de guarnecê-la de aventureiros e predadores. É improvável que algum outro lugar do planeta concentre tantas ONGs.
Nem mesmo a África. Entretanto, a cada dia, os jornais exibem farto noticiário dando conta de sua implacável e obsessiva destruição. Somente em torno dos índios, há alguns milhares de organizações, a maioria estrangeira, impondo seus pontos de vista quanto a local e dimensões de reservas, muitas em locais estratégicos em recursos minerais ou áreas de fronteira.
Não se conhece nenhum país que deixe ao arbítrio de ONGs, sobretudo estrangeiras, o critério para a demarcação de reservas, e que muito menos as admita em áreas de fronteiras.
Há dez dias, o comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, pôs a boca no trombone. Disse: "A política indigenista brasileira está completamente dissociada do processo histórico de colonização do nosso país. Precisa ser revista com urgência. (...) É só ir lá ver as comunidades indígenas para ver que essa política é lamentável, para não dizer caótica".
Sua fala causou estremecimento, dentro e fora do governo. Imaginou-se que seria punido, afastado do cargo. Afinal, quem fala pelas Forças Armadas é o ministro da Defesa – no caso, Nélson Jobim -, que aparentemente não via nada disso, pois nada dissera.
Seu silêncio, e dos demais membros do governo, indicava que tudo ia bem e que as cem mil ONGs estavam lá, mantendo a casa em ordem. Nesse caso, ou o general era um lunático ou um insubordinado. Em qualquer das hipóteses, teria que ser demitido.
Mas não foi – e não será. Na seqüência de sua fala, estabeleceu-se forte discussão (mais uma) sobre aquela preciosa porção de nosso território. O que se viu – e se está vendo – é que o general tem razão.
Senão, como explicar o tom fortemente crítico que, na seqüência de sua fala, empregou o ministro da Justiça, Tarso Genro, em relação às mesmas ONGs amazônicas? Disse o ministro:
"Grande parte dessas ONGs não está a serviço de suas finalidades estatutárias. Muitas delas escondem interesses relacionados à biopirataria e à tentativa de influência na cultura indígena, para apropriação velada de determinadas regiões, que podem ameaçar, sim, a soberania nacional."
O ministro nada mais fez que chancelar as palavras do general Heleno. O espantoso é que somente agora, e na seqüência de uma insubordinação hierárquica (santa insubordinação!), algo seja dito. Antes tarde, porém. Registre-se que o descaso amazônico não é apenas deste governo, mas de todos os que o precederam, desde a redemocratização, em 1985.
Reconheça-se que os governos militares, goste-se ou não deles, tinham um projeto para a Amazônia. Pode-se criticá-lo, achá-lo ruim, precário, mas existia e tinha em mente preservar e manejar aquela porção territorial que hoje constitui objeto de cobiça internacional.
Fez-se naquela oportunidade o mapeamento aerofotogramétrico por imagens de radar de toda a região e, entre outras iniciativas, intentou-se a construção de uma super-rodovia, a Transamazônica, que a integrasse ao restante do país.
Outro projeto negligenciado, de inspiração militar, foi o Calha Norte, que consistia em povoar, por meio da construção de cidades, a imensa faixa de fronteira, de 6,5 mil quilômetros, que contorna Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela e Colômbia.
Seria, sem qualquer dúvida, de imensa valia no combate ao contrabando, ao narcotráfico e à biopirataria – e permanece à espera de que o bom senso e a superação de preconceitos o materializem.
Os governos civis, porém, negligenciaram a região e a deixaram entregue ao lobby de organizações estrangeiras, que, desde então, passaram a agir contra os interesses do país, a indispor índios contra os nacionais, a exercer com imensa cara-de-pau a biopirataria e a sustentar em fóruns internos e externos a necessidade de internacionalização da região.
O brado do general foi um alerta, e as palavras do ministro da Justiça indicam que o governo está disposto a meter a mão no vespeiro das ONGs amazônicas, separando o joio do trigo (pois seguramente, em meio às cem mil, há trigo a ser preservado). E haja joio. Tomara que algo de positivo comece enfim a acontecer.