Deputado diz que Severino Cavalcanti, o homem do
mensalinho, salvou o presidente Lula de um golpe
Otávio Cabral
Joel Silva/Folha Imagem |
Ciro Gomes: "Ele foi eleito para derrotar o Lula e começar o golpe" |
O deputado Ciro Gomes é um político de respeito, que construiu uma biografia invejável, mas que não consegue se livrar do estranho hábito de sempre enxergar uma conspiração nos eventos que o cercam. Na semana passada, Ciro Gomes apresentou ao público sua mais recente interpretação da história para explicar um fato do qual, ao que parece, apenas ele não conhece os detalhes: a ascensão e queda do ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, que renunciou em 2005, depois de ser pilhado cobrando propina de um empresário. Para Ciro Gomes, Severino foi vítima de uma mirabolante conspiração que tinha o objetivo final de derrubar ninguém menos que o presidente Lula. "Havia uma trama de elite para melar o jogo de quem estava fazendo o salário mínimo galopar, de quem estava fazendo o Bolsa Família. Quando foi eleito o Severino, aquilo era um passo do golpe, para ele poder receber o pedido de impeachment", devaneia o deputado. "Ele (Severino) foi eleito para derrotar o Lula e começar a instalar o golpe, acabou não recebendo porque aderiu." Severino poderia ser exaltado como o herói que evitou a queda do presidente mais popular da história deste país – se isso, é claro, fosse verdade.
Severino Cavalcanti foi eleito presidente porque o PT lançou dois candidatos e não conseguiu a maioria dos votos. Caiu porque cobrou propina de um fornecedor da Câmara. Ciro Gomes, o autor da teoria esquisita de que tudo foi fruto de uma armação, postula ser presidente da República. Considera-se mais maduro e preparado agora do que nas outras duas vezes em que disputou o cargo. O problema é que suas declarações nem sempre estão em sintonia com a realidade dos fatos. Recentemente, diante da revelação da existência do dossiê feito na Casa Civil sobre as despesas do ex-presidente Fernando Henrique, Ciro disse que havia uma máquina clandestina em ação, com epicentro na imprensa de São Paulo, para desestabilizar a ministra Dilma Rousseff. Em outras palavras, outra conspiração das elites e da imprensa – fato que, aliás, não é novo na memória do deputado. Em 1998, quando disputou a Presidência pela primeira vez, ele denunciou teorias conspiratórias dos tucanos para prejudicar sua candidatura e enxergou na imprensa um adversário que fazia o serviço das elites para atingi-lo. Acabou em terceiro lugar, com pouco mais de 10% dos votos.
Em 2002, Ciro teve um desempenho melhor. Chegou a atingir 28% das intenções de voto, ameaçando a liderança do então candidato Lula. Depois de chamar um eleitor de "burro", brigar com jornalistas e destratar empresários, ele viu minguar suas chances. Acabou em um decepcionante quarto lugar. Hoje, a situação de Ciro Gomes é semelhante à da campanha de 2002. Outra vez as pesquisas lhe são favoráveis. Segundo o último levantamento do instituto Datafolha, o deputado tem mais de 20% das intenções de voto em todos os cenários possíveis, ficando atrás apenas do tucano José Serra. Mais uma vez Ciro se encontra em um patamar diferenciado. Só pode ser conspiração.