Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 26, 2008

Especial A importância de uma dieta equilibrada

Você é...
...o que você come

E também quanto e como você come. Os alimentos podem
ajudar ou prejudicar sua saúde. Mas não é recomendável
sentar-se à mesa como se vai a uma farmácia ou lançar-se
a excessos como um condenado em sua última refeição.
O prazer do equilíbrio é a chave de tudo


Anna Paula Buchalla

Montagem sobre fotos Pedro Rubens


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Quando o francês Jean Anthelme Brillat-Savarin cunhou, em 1825, a expressão "diga-me o que comes e eu te direi o que és", referia-se, sobretudo, aos prazeres de uma boa refeição. Em seu tratado de gastronomia A Fisiologia do Gosto, a primeira obra sobre a relação do homem com a comida, ele dizia que a elaboração de um novo prato causava mais felicidade à espécie humana do que a descoberta de uma estrela. Pouco mais de um século depois, na década de 1950, o sabor de uma boa refeição ganhou um tempero de culpa com a descoberta de que a gordura, em excesso, trazia malefícios à saúde. De lá para cá, uma série de estudos vem contribuindo para medicalizar o pão (e a carne, e a massa, e o doce) nosso de cada dia. Para o bem e para o mal. Alguns alimentos passaram a ser vistos como venenos e outros, como remédios. Entre os dois extremos, está você, fazendo a conta de quantas calorias vai ingerir no almoço, imaginando se suas artérias entupirão de vez com a feijoada programada para o sábado e pensando se, afinal de contas, não seria melhor evitar beber o quinto copo de vinho tinto da semana. É claro que as descobertas de médicos nutrólogos e nutricionistas são para ser levadas a sério. Mas não é igualmente evidente que elas não devem servir para criar neuroses. Você é, sim, o que você come – desde que entenda que, quando nos sentamos à mesa, o fazemos por motivos que vão além da nutrição pura e simples. Entre eles, degustar iguarias, compartilhar um grande momento com os amigos, participar de rituais e cerimônias familiares e até explorar novas culturas (mesmo que isso signifique não ultrapassar os limites de um frango xadrez). Tudo isso se perde quando você começa a encarar uma refeição como uma ida à farmácia. Qual a saída? Ter uma dieta equilibrada – em qualidade e quantidade. Tão equilibrada que lhe dê a chance de, vez por outra, cometer alguns "crimes" nutricionais. "A manutenção da saúde deve ser uma conseqüência, e não o único objetivo do ato de comer bem", diz o americano Michael Pollan, autor do livro In Defense of Food (Em Defesa da Comida), que está na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times.

Pollan está certo, mas é um radical, digamos, livre demais. Ele chega a afirmar que "a nutrição está na mesma posição que a cirurgia no século XVII: é uma ciência jovem e promissora, da qual você não quer ser a cobaia". Menos, Pollan. Repita-se que não se trata de jogar no lixo as descobertas feitas ao longo do último meio século. Já está provado que, das dez doenças que mais matam no mundo, cinco estão diretamente associadas a uma dieta de má qualidade: obesidade, infarto, derrame, diabetes e câncer – sobretudo o de mama, o de próstata e o de intestino. "Quem quer que seja o pai de uma doença, a mãe foi uma dieta deficiente", diz o nutrólogo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran). Não é preciso ser um freqüentador compulsivo de spas de emagrecimento para perceber que basta uma semana de alimentação regrada, frugal e saudável para o organismo funcionar melhor. O hálito melhora, o cabelo fica mais sedoso, a pele mais viçosa. Surge o ânimo para acordar mais cedo e, por que não, fazer inclusive uma caminhada. "A boa alimentação favorece o metabolismo, o sono e a regularidade do intestino e controla os radicais livres, as moléculas responsáveis pelo envelhecimento celular", diz a nutricionista Cristina Menna Barreto, de São Paulo. Até o nosso humor pode ser modulado pela alimentação. Certos nutrientes têm efeito direto sobre a produção ou a inibição de determinados neurotransmissores, responsáveis pelas oscilações do estado de espírito. "Uma pessoa que acorda, toma uma xícara de café e não come nada até a hora do almoço tem maior probabilidade de ficar com o humor azedo", diz o nutrólogo Daniel Magnoni, do Hospital do Coração, de São Paulo. Existem, ainda, estudos que mostram a relação entre deficiência de ácido fólico e depressão. E uma pesquisa publicada recentemente no British Journal of Psychiatry indica que o uso de determinados suplementos nutricionais reduz a ocorrência de problemas de comportamento – entre eles a agressividade.

Muitos dos alimentos hoje demonizados foram essenciais para a evolução do homem. O consumo de carnes vermelhas garantiu a sobrevivência de nossos ancestrais em tempos de escassez de comida. Estocada sob a forma de tecido adiposo, a gordura animal representava a principal fonte de energia do pessoal das cavernas. Também se devem à dieta carnívora as proteínas que permitiram ao homem, entre outras coisas, criar o alfabeto, fabricar papel, inventar a tipografia e escrever livros que condenam... a carne. No século XVI, a inclusão da batata, tubérculo oriundo da América, no cardápio europeu possibilitou o ganho calórico que resultaria na Revolução Industrial. Mas nossos antepassados obtinham do mel e das frutas a quase totalidade do açúcar que constava de sua dieta. O doce vilão, que está na origem dos distúrbios metabólicos mais nocivos, não era onipresente como hoje. No entender de pesquisadores da história da alimentação, o gatilho para a epidemia de obesidade dos Estados Unidos, que se alastrou pelo mundo, foi justamente um açúcar: o amido de milho. "A adoção do milho é o fenômeno alimentar mais importante – e preocupante – da modernidade", diz o historiador Henrique Carneiro, autor do livro Comida e Sociedade. Dessa substância são fabricados os adoçantes e xaropes presentes em boa parte dos produtos industrializados, como os refrigerantes.

O derradeiro jantar

Stephane de Sakutin/AFP
Gordon Ramsay: rosbife dos tempos da infância

A fotógrafa americana Melanie Dunea lançou a seguinte pergunta a cinqüenta grandes chefs: "Se você fosse morrer amanhã, qual seria sua última refeição?". Em seu livro My Last Supper (Meu Último Jantar), foram poucos os que optaram por trufas, caviar e foie gras. A maioria escolheu refeições absolutamente simples. Gordon Ramsay, apresentador dos programas Hell’s Kitchen e Kitchen Nightmares, decidiu-se por rosbife com yorkshire pudding. A carne assada com molho, acompanhada de pudim salgado, é um clássico dessa licença nada poética chamada culinária britânica. E era um prato freqüente na mesa da família do escocês Ramsay. Jamie Oliver, chef inglês e também apresentador de programas de culinária, optou por spaghetti all’arrabiata e, de sobremesa, pudim de arroz. "É impressionante quão simples, rústica e despretensiosa é a maioria das seleções", escreve o chef Anthony Bourdain, no prefácio do livro. Ele próprio comeria em seu último jantar ossobuco com salsinhas e salada de alcaparras com torradas de baguete. "Há sempre uma volta às coisas da infância ou aos sabores regionais. A palavra ‘mãe’ é citada em pelo menos um terço das vezes", observou Bourdain em entrevista à revista americana Time. A lembrança de um prato não se resume ao seu sabor. Remete também a tempos felizes.

Ah, os refrigerantes, as batatas fritas, os hambúrgueres... Se eles não fossem tão gostosos, não teriam ganhado o planeta. Já as frutas, as verduras, os legumes... Bem, a verdade nua e crua (ou cozida, como queira) é que são alimentos difíceis de engolir para oito em cada dez pessoas (e para dez em cada dez crianças). Pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra, desvendaram os mecanismos cerebrais que tornam uma fritura mais apetitosa do que um rabanete. Eles descobriram que as comidas gordurosas ativam uma região cerebral conhecida como córtex cingulado, a mesma que se acende quando recebemos um carinho ou sentimos o cheiro de um perfume.

A educação dos sentidos, no entanto, não é tão difícil como parece. Há uma máxima antiga segundo a qual "as doenças não afetam quem sabe o que comer, o que não comer, quando comer e como comer". Isso está ao seu alcance. A chave, aqui, é cultural. Gostar de vegetais implica educar o paladar – e antes dele, óbvio, o cérebro. Na verdade, trata-se de uma reeducação. Foi comprovada a existência de um instinto natural de seleção da comida. Um estudo realizado nos Estados Unidos é particularmente interessante. Os pesquisadores entregaram a crianças de péssimos hábitos à mesa dez tipos de alimentos naturais. Ao longo de uma semana, privadas de sua dieta habitual, elas conseguiram combinar tais ingredientes de forma a construir uma dieta variada e saudável. Não se recusaram a comer nada, nem repetiram sempre o mesmo prato. A capacidade de adestrarmos nosso paladar de modo a extrair prazer de comidas antes intragáveis também ficou evidente graças ao inglês Jamie Oliver, aquele chatinho dos programas de televisão. Há três anos, ele realizou uma campanha para banir as porcarias dos lanches e refeições servidos às crianças nas escolas públicas inglesas. Oliver ajudou a promover mudanças drásticas nesse cardápio – a merenda "junkie" à base de nuggets e salsichas cedeu lugar a saladas, frutas e receitas italianas. Tudo isso acompanhado do desafio de agradar aos estudantes. Deu certo. Em poucas semanas, o paladar da moçada, "mascarado" pelo consumo abusivo de gorduras artificiais, ficou, como dizer, menos inglês.

Se ainda não veio à sua cabeça a expressão, aqui está ela: bom senso. Pois é, nesse caso não dá para variar. E bom senso significa não exagerar nem no consumo nem na privação. Quer um exemplo? A exclusão de carne vermelha da dieta é responsável por carências de ferro e vitamina B12, nutrientes fundamentais para o organismo. Mais: de nada adianta seguir cegamente dietas como a japonesa e a mediterrânea, tidas como as mais saudáveis, sem levar em conta que você não vive no Japão ou às margens do Mediterrâneo. Uma dieta para ser equilibrada e prazerosa tem de se combinar ao ambiente em que se vive e à genética de cada um. Coma de tudo um pouco e tente transformar o ato de comer numa experiência mais agradável do que se restringir a uma porção de brócolis ou se entupir de frituras. De vez em quando, dá vontade de comer um hambúrguer? Não se prive desse prazer. Coma com calma, sem tanta gordura pingando no prato. Esforce-se para que pelo menos uma de suas refeições diárias seja uma experiência estética e, com o perdão da palavra, sinestésica. Tente melhorar a apresentação dos pratos, capriche na combinação dos alimentos e no seu colorido. Você dificilmente (e põe difícil nisso) se tornará um Marcel Proust, que escreveu o primeiro romance do monumental Em Busca do Tempo Perdido a partir das evocações proporcionadas por uma madeleine – mas, decerto, será alguém mais saudável e feliz.

Lailson Santos


Lailson Santos


Lailson Santos


Fabiano Accorsi





Fotos Lang, Alfredo Franco, Carlos Cubi, Gustavo Arrais, Oscar Cabral, Claudio Meletti

Com reportagem de Adriana Dias Lopes e Thomaz Favaro







FOTOS PHOTOGRAPHER` S CHOICE-GETTY IMAGES E PEDRO RUBENS
Certifica.com


ESPECIAL
30 de abril de 2008

“Saudável é a comida da mãe”

O ensaísta americano Michael Pollan, de 53 anos, é autor do livro há mais tempo na lista dos mais vendidos do jornal americano The New York Times: está há quinze semanas entre os primeiros colocados. In Defense of Food (Em Defesa da Comida) é a mais recente de suas obras sobre a indústria alimentar. Seu livro anterior, O Dilema do Onívoro, publicado no Brasil pela Editora Intrínseca, é outro best-seller sobre o tema. Pollan é radical em sua aversão aos exageros da ciência da nutrição. Ele diz que a humanidade está negativamente obcecada pelos benefícios da alimentação à saúde e que não deveríamos nos pautar unicamente pelos conselhos dos nutricionistas na hora de decidir o que comer. Pollan deu a seguinte entrevista ao repórter Thomaz Favaro de sua casa, na Califórnia:

Veja – Por que é cada vez mais complicado decidir o que almoçar?
Pollan – Atualmente, os alimentos são vendidos apenas com base em seus benefícios para a saúde: um é capaz de reduzir seu colesterol, outro tem muitas fibras. Os nutrientes tornaram-se mais importantes que a comida em si. O alimento é apenas um intermediário na entrega destas substâncias. Como os nutrientes são invisíveis para todos, exceto para o cientista e seu microscópio, escolher o que comer tornou-se uma decisão para profissionais, e não para amadores. Tem-se a impressão de que é necessário ter um diploma de bioquímica para tal escolha, o que não é correto. Além disso, as mensagens científicas com relação à comida são muito confusas. Há muita divergência entre nutricionistas sobre o que é ou não saudável.

Veja – O senhor afirma que estamos vivendo a “era do nutricionismo”. O que quer dizer com isso?
Pollan – Nutricionismo é a atual ideologia em torno da comida. O nutricionismo parte de alguns pressupostos, muitos dos quais nós compartilhamos sem perceber. Acreditamos, por exemplo, na possibilidade de dividir o mundo em nutrientes bons e ruins. Os ruins precisam ser removidos da comida, enquanto os bons, quanto mais, melhor. Atualmente o bom é o ômega-3 e o ruim é a gordura trans, mas isto muda constantemente ao longo da história. Cem anos atrás, as proteínas eram os nutrientes ruins, que deveriam ser substituídos por carboidratos. Outra premissa é que comemos para manter a saúde. Alimentamo-nos para melhorar ou piorar nossa saúde, e apenas isto. Na verdade, comemos pelas mais diversas razões: por prazer, para socializar com os amigos, para participar de rituais familiares e até para demonstrar nossa identidade cultural e religiosa. A saúde é só uma das razões, e por isso não pode se tornar nosso único parâmetro de escolha dos alimentos.

Veja – Há muitos alimentos que, como o ovo, eram considerados vilões da saúde e hoje foram reabilitados pela ciência. Por que é tão difícil encontrar um consenso entre nutricionistas?
Pollan – Os nutricionistas têm uma tarefa muito difícil. É muito complicado entender o que se passa no fundo da alma de uma cenoura ou de um ovo. Estas comidas são mais do que a soma de seus nutrientes, são verdadeiros sistemas com relações complexas entre si. Quando se isola um nutriente da comida para ver como funciona, ele não se comporta da mesma maneira que dentro do alimento. Eis um exemplo: o betacaroteno, nutriente presente na cenoura, é um antioxidante que se converte em vitamina A. Quando extraído da cenoura e ingerido em forma de pílula, não funciona. Também sabemos pouco sobre o outro lado da cadeia alimentar — o corpo humano. Ainda não se conhece muitos aspectos da digestão humana, como funciona exatamente nosso metabolismo ou como o corpo reage a diferentes açúcares. A nutrição é uma ciência nova e imperfeita, e por isto não deveríamos nos apoiar unicamente nela para escolher nossos alimentos. A nutrição está na mesma posição que a cirurgia no século XVII: é uma ciência jovem e promissora, mas você não quer ser sua cobaia.

Veja – Quais as dificuldades dos estudos de nutrição atuais?
Pollan – É muito difícil estudar as propriedades dos nutrientes dentro de um contexto. Não comemos apenas nutrientes, fazemos refeições completas. Comer tomate com azeite é diferente de comê-lo sozinho, pois o azeite aumenta a quantidade de antioxidantes do tomate que o organismo é capaz de absorver. Além da combinação de alimentos, é preciso levar em conta a quantidade de exercício que uma pessoa pratica, seu estilo de vida, sua cultura. São estudos muito complexos. Cortadores de cana em Cuba comem 6.000 calorias por dia, a maior parte puro açúcar. Isso faria de qualquer um de nós diabético, mas eles não ficam doentes. Não ficam sequer gordos, pois estão queimando todo este açúcar no trabalho. Outro problema ao estudar a alimentação de populações é que é difícil conseguir respostas honestas dos entrevistados. Se você der um questionário para uma pessoa escrever o que ela comeu nos últimos três meses, ela não vai se lembrar de tudo e vai mentir. As pessoas se esquecem do que comeram.

Veja – Nós possuímos instintos naturais de seleção dos alimentos?
Pollan – Sim, há testes que comprovam isso. Foram entregues a crianças dez tipos diferentes de alimentos integrais, in natura. Algumas vezes elas comiam apenas um tipo de alimento o dia todo, mas ao longo de uma semana, estas crianças, usando apenas seus instintos naturais, construíram uma dieta muito saudável. É uma prova de que em algum lugar, perdido no meio deste turbilhão de informações sobre o que devemos comer, possuímos instintos naturais para escolher nossos alimentos. Usamos o olfato para saber se a comida está estragada. Comidas muito amargas também não nos apetecem, justamente porque a maioria das toxinas têm esse sabor. A maioria de nós percebe que comer fast-food em grandes quantidades nos faz sentir mal depois. Nós temos instintos, mas está difícil confiar neles, sobretudo depois de tanta exposição ao sal e açúcar.

Veja – Por quê?
Pollan – Atualmente é muito fácil manipulá-los. Biologicamente, estamos condicionados a açúcar e gordura. Quando se coletava alimentos diretamente da natureza, isto não era um problema. Há poucas fontes de doces disponíveis além de mel e frutas maduras. No passado, só era possível conseguir gordura animal depois de uma boa caçada, o que não acontecia todo dia. Mas com a agricultura e a pecuária modernas, dar açúcar e gordura para as pessoas tornou-se fácil demais. Os alimentos processados e fast-foods contêm níveis altíssimos de açúcar, gordura e sal. Os cientistas da comida também podem criar substâncias que mentem para o nosso corpo, como adoçantes e gorduras artificiais. A manipulação dos alimentos torna mais difícil confiar em nossos instintos.

Veja – Há 50 anos, não havia tanta informação detalhada a respeito de nossas comidas, mas também não tínhamos tantos problemas de saúde relacionados à alimentação. Estamos mais inteligentes ou mais burros em relação à nutrição?
Pollan – Um pouco de cada. Um dos principais guias sobre o que nós deveríamos comer é a cultura, que na verdade é só uma palavra rebuscada para referir-se a nossas mães. É através das mães que a sabedoria da comida é transmitida através das gerações. Nós atualmente rejeitamos a culinária em nome desta dieta pseudocientífica, e passamos a ouvir cientistas e vendedores de comida ao invés de nossas mães. Ignorar nossa cultura alimentar é uma burrice. Quando eu era pequeno, cientistas e o governo americano diziam que manteiga era ruim para a saúde e margarina fazia bem, por ser uma gordura vegetal. Minha mãe, a contragosto, resolveu ouvir a sabedoria deles e nos deu margarina. Ela dizia que eles estavam errados, mas nós dávamos risada. Hoje a ciência provou que ela estava certa. Quando se interpreta a cultura como uma história da carochinha, corre-se o risco de perder conhecimentos importantes. Porém nem tudo foi perdido: nós realmente aprendemos algo com os estudos acadêmicos. A ciência da nutrição não é uma perda de tempo. Há muitas coisas que sabemos sobre composição dos alimentos e sobre metabolismo que nós não conhecíamos há cinqüenta anos. Muito desse aprendizado está justamente comprovando que a sabedoria popular estava certa.

Veja – De qual culinária estamos falando? Japonesa, francesa, italiana, brasileira?
Pollan – Não importa. Não existe algo como uma culinária típica maléfica: ela não teria durado até hoje se não mantivesse as pessoas vivas e saudáveis. Qualquer comida tradicional é melhor que a moderna dieta ocidental. As pessoas podem escolher de acordo com a sua preferência. Mas atenção: ir a um restaurante japonês ou francês não é garantia de que você estará comendo a comida tradicional do país. Em muitos lugares, serve-se a comida dos banquetes, que é diferente do que aquela nacionalidade come cotidianamente. Muito do que achamos que é comida chinesa são pratos servidos em ocasiões especiais, pois são repletos de carne.

Veja – Há cada vez mais produtos disponíveis nas prateleiras dos supermercados. Temos realmente mais tipos de comida disponíveis?
Pollan – Sim e não. É fato que atualmente podemos encontrar diferentes frutas e vegetais do mundo todo no supermercado, muito mais do que encontraríamos cinqüenta anos atrás. Por outro lado, ao analisar as fontes de calorias, nota-se que a nossa dieta está menos diversificada. Mais de dois terços das calorias consumidas diariamente vêm de apenas quatro vegetais: milho, soja, trigo e arroz. Um século atrás, havia maior diversidade. Esta aparente diversidade no supermercado obscurece a realidade de que a diversidade de nossa dieta vem encolhendo.

Veja – A comida recebe cada vez mais poderes de definição sobre nosso humor e caráter. Estamos colocando propriedades mágicas nos alimentos?
Pollan – A comida tem, de fato, uma dimensão espiritual. É uma maneira de conectar-se com o mundo, com as outras espécies com as quais convivemos e também com outros seres humanos. Uma comunhão acontece toda vez que se faz uma refeição com a família ou amigos. Mas há uma obsessão em obter os nutrientes corretos, e uma percepção errônea de que basta comer a comida correta que tudo estará bem com você e o mundo todo. Não é tão simples assim. Precisamos voltar a nos preocupar com toda a cadeia produtiva dos alimentos e não ficarmos obcecados com este ou aquele nutriente. A manutenção da saúde deve ser apenas uma conseqüência, e não o objetivo de comer bem. É claro que se você está doente, a comida pode ser um excelente remédio. Mudanças na dieta podem ter um enorme efeito em sua saúde. Mas a maioria de nós não está doente, então não precisamos nos preocupar tanto com isso. Há um distúrbio alimentar chamado ortorexia, que é a obsessão por alimentar-se de maneira saudável. Acho que muitas pessoas atualmente sofrem com este mal.

Veja – Como a industrialização dos alimentos mudou nossa relação com a comida?
Pollan – Nós não sabemos mais de onde vem nossa comida. A cadeia é tão grande que muita gente acha que a comida vem do supermercado. Muitas crianças hoje não entendem que a cenoura é uma raiz. Elas se perguntam de que parte da planta são estes pedaços laranjas dentro de um saco plástico. A indústria alimentar nos desconectou do fato de que dependemos destas outras espécies, com as quais compartilhamos o planeta, para sobreviver.

Veja – Quais são as conseqüências desta desconexão?
Pollan – Nós entregamos a preparação dos alimentos para empresas de grande escala. Isto pode ser conveniente, pode nos ajudar a conseguir uma hora a mais na frente da televisão ou da internet, mas estas empresas não cozinham bem. Elas usam muito sal, gordura e açúcar. A comida se torna altamente calórica e não tão nutritiva. A conseqüência é que nos tornamos mais vulneráveis. Somos vítimas mais fáceis das manipulações dos alimentos fast-food e das propagandas de dietas milagrosas. É uma das razões pela qual nós temos tantos problemas de saúde relacionados à alimentação. Não confiamos mais em nossas tradições, não sabemos mais como cozinhar. Precisamos tomar de volta a decisão sobre nossas escolhas alimentares e sobre a preparação das refeições.


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