A estratégia de Evo Morales na Bolívia deu certo e está se alastrando pela América do Sul. Contra o Brasil.
Morales mandou o Exército invadir as refinarias da Petrobras, e o que o Brasil fez? Ofereceu a outra face, negociou, cedeu. Faltou uma crítica dura à invasão, antes de ceder.
Agora, o ex-bispo Fernando Lugo vence as eleições presidenciais no Paraguai e vai logo avisando que vai rediscutir com o Brasil o Tratado de Itaipu, que só vence em 2023. Já está decidido: o Brasil não vai rever o tratado em si, mas aceita sentar e renegociar os preços que paga ao parceiro pela energia excedente, além de criar programas de financiamento para uma linha de transmissão da usina até a capital Assunção.
E a mais recente novidade é a informação publicada pelo repórter Mauro Zafalon na Folha: a Argentina voltou a suspender as exportações de trigo para o Brasil. O anúncio deixa a indústria brasileira de cabelo em pé, mas o mais importante é que os consumidores --eu, você, ele, nós todos-- é que vamos pagar a conta. Pãozinho vai virar artigo de luxo.
Na Bolívia, há um acordo entre empresas para explorar o gás que o país produz. No Paraguai, há um tratado bilateral entre dois países. Na Argentina, há o interesse econômico de oferecer o trigo para a Venezuela, em troca de petróleo, e para a Bolívia, em troca de gás.
São, portanto, questões, movimentos e interesses distintos, mas todos eles têm algo em comum: a percepção de que o Brasil, na ânsia de se afirmar líder na região diante da força (e dos petrodólares) de Hugo Chávez, está topando qualquer negócio. Ou melhor: qualquer pressão.
Do ponto de vista estratégico, Planalto e Itamaraty explicam: 1) o Brasil é o país maior, mais rico, mais populoso e tem responsabilidades com seus vizinhos, como os ricos da Europa tiveram com seus pobres; 2) há dívidas históricas em relação sobretudo ao Paraguai e à Bolívia, os dois países mais miseráveis da América do Sul. É preciso vitaminá-los, para evitar instabilidade.
Do ponto de vista econômico, tudo isso tem que ser muito bem avaliado, e não apenas pelo governo. O Congresso, o setor empresarial e a academia brasileira precisam olhar a política externa, confrontá-la com os interesses internos e os da região. Convém um bom equilíbrio.
Se essa discussão for na base do esquerda versus direita, vai dar com os burros n'água. Mas se for ao mesmo tempo pragmática do ponto de vista do Brasil e "generosa" com os parceiros --como diz o ministro Celso Amorim (Itamaraty)-- tem tudo para dar certo.
Isso significa admitir que a Bolívia e o Paraguai têm sido, sim, explorados e têm o direito, portanto, de reclamar condições e preços mais justos para seus produtos --ou seja, para seus povos. Mas também que o Brasil e o povo brasileiro também têm a obrigação de resguardar seus direitos, inclusive exigindo contrapartidas.
Para ficar num exemplo bem objetivo: ok, Paraguai, nós cedemos no preço, mas o que vocês oferecem em termos de combate à corrupção, ao contrabando, à bagunça nas fronteiras? E como ficam os brasilguaios?
A relação do país mais poderoso com os países mais pobres não pode ser na base do Bolsa Vizinhos. Sob o risco de virar apenas mais uma forma de aprofundar a ingerência, de um lado, e a dependência, do outro. O oposto, enfim, do que prega o discurso brasileiro.