Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 25, 2008

Merval Pereira - O PT hegemônico



O Globo
25/4/2008

Nada como um lugar-comum para explicar a política que, como dizia o ex-governador mineiro Magalhães Pinto, é como nuvem, está sempre mudando. Pois as nuvens que pareciam embalar os sonhos do governador mineiro Aécio Neves estão mudando de forma e hoje parecem favorecer novamente o governador paulista José Serra. A mesma razão que fez o PT rejeitar oficialmente uma aliança política com o PSDB em Belo Horizonte explica a decisão do PMDB de preferir apoiar a candidatura de Gilberto Kassab, do DEM, para a prefeitura de São Paulo: o PT não é um partido confiável, especialmente no que diz respeito às coligações políticas, é um partido que quer impor uma hegemonia.

A nota oficial da executiva nacional do partido, que não se limita vetar a coligação com o PSDB, mas critica diretamente a administração do governador tucano Aécio Neves, inviabiliza politicamente uma aliança que se destinava a encontrar pontos comuns entre os dois partidos, a partir de uma experiência regional bem sucedida, para desanuviar o ambiente político com vistas a uma possível trégua a partir do próximo governo.

O governador Aécio Neves costurou essa aliança com a paciência dos mineiros históricos, e, se não era ingênuo de alimentar o sonho de vir a ser o candidato oficial à sucessão de Lula, tinha a esperança de, colocando-se como um candidato pós-Lula e não anti-Lula, contar com a boa vontade do próprio presidente e, por tabela, de seu partido, já que não existe à vista um candidato oficial competitivo.

O governador paulista José Serra, que continua aparecendo como o favorito à sucessão de Lula nas pesquisas de opinião, estava aparentemente posto de lado, superado pela operosidade de seu adversário interno, mas costurava silenciosamente a jogada política que o recolocou no centro das decisões e, com a ajuda do PT, mais forte do que nunca para se tornar o candidato tucano.

Um político experimentado como Orestes Quércia não abriria mão de uma aliança potencialmente vencedora com o PT nacional, com o presidente Lula nos píncaros da glória popular, se não cheirasse no ar não apenas dificuldades futuras que podem colocar em xeque a popularidade do presidente, mas sobretudo dificuldades em relação aos próprios compromissos políticos que o PT teria que cumprir, como apoiá-lo na sua campanha para o Senado em 2010.

Assim como a aliança do PT em Minas com o PSDB de Aécio, se sacramentada, poderia levar a uma grande aliança em 2010, juntando ainda o PSB de Ciro Gomes, a aliança atual dos Democratas com o PMDB em São Paulo, sob as bênçãos do governador José Serra, pode desembocar em uma coligação que leve a candidatura do governador paulista a receber o apoio, se não de todos, pelo menos de partes importantes do PMDB.

O enfraquecimento da candidatura do ex-governador Geraldo Alckmin à prefeitura, diante desse acordo, é acentuado pela derrota política de seu principal estimulador no plano nacional, o governador mineiro. A reação oficial do PT tira de Aécio seu melhor argumento, o de que seria um candidato da conciliação, através do qual o país poderia chegar a um entendimento político que resultaria em avanços institucionais num governo de coalizão pós-Lula.

Mas, quando um não quer, dois não se aliam, e o PT não está disposto a servir de escada a ninguém, nem mesmo a seus antigos aliados políticos como PSB, PCdoB e PDT. Qualquer acordo político terá que ter o PT na cabeça de chapa, e por isso é que PMDB e PT só chegaram a eles em quatro capitais - Fortaleza, Vitória, Boa Vista e Rio de Janeiro, sendo que neste último o governador Sérgio Cabral teve que enfrentar uma rebelião dentro do PMDB para apoiar a candidatura do petista Alessandro Molon.

Um candidato sem nenhuma expressão política, num partido sem nenhuma força no estado, uma estranha aliança em que o partido mais forte abre mão da cabeça da chapa para poder viabilizá-la. O que revela bem a necessidade de uma posição subserviente para se fechar uma coligação com o PT.

A posição do presidente do PMDB paulista, Orestes Quércia, defendendo a candidatura do governador José Serra à Presidência em 2010, mostra também o grau de divisão peemedebista, que se repete mais uma vez nesta eleição.

Nem mesmo com a presumida força eleitoral do presidente Lula por trás, é possível conseguir uma unidade de ação do partido, que tem sempre um pé em cada canoa, ou em várias canoas, e só se une na hora da divisão do botim do próximo governo federal.

O governador Aécio Neves, que alicerçava sua candidatura em dois pilares, o PT e o PMDB, viu-se de repente sem sustentação política que lhe permita vislumbrar um futuro. Desfiliar-se do PSDB para ser o candidato do PMDB à Presidência é uma jogada de alto risco, que a falta de unidade peemedebista não estimula.

O próprio presidente Lula incentivava essa saída, para tentar convencer o PT a aderir a uma aliança com o governador de Minas como cabeça de chapa. A nota oficial do PT mostra bem o que os petistas acham de Aécio Neves e seu governo: "O governo Aécio não se coaduna com o que o PT quer para Minas Gerais, e muito menos para o Brasil".

O exemplo das primárias democratas nos Estados Unidos, onde Hillary Clinton e Barack Obama estão se matando em público, parece também perder o encanto dos primeiros momentos.

O governador José Serra reassume o papel de principal candidato tucano à sucessão presidencial, sem precisar ser testado em uma prévia que parecia inevitável, e agora se torna desnecessária.

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