Quando o caseiro Francenildo Santos Costa apareceu dizendo que o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, mentira ao negar que freqüentava a casa de lobby montada em Brasília por seus amigos de Ribeirão Preto, o afã de fazer recair o ônus sobre a testemunha produziu uma quebra de sigilo bancário e resultou na queda do ministro. Se o moço não mostrasse logo que a “estranha movimentação financeira” era um depósito feito pelo pai, provavelmente aquele caso teria tomado outro rumo, deixando de importar a verdade que ele falava para só interessar a suspeita sobre a motivação que o fizera falar. A manobra acabou custando caríssimo. Agora, a tentativa de inverter o foco da questão do dossiê dos gastos de Fernando Henrique Cardoso saiu bem mais em conta: bastou uma declaração do senador Álvaro Dias dizendo ter visto o documento antes da publicação na revista Veja. A tropa governista aferrou-se a isso para passar a cobrar explicações sobre o “vazamento das informações” e exibir o senador Dias como prova viva da inocência de Dilma Rousseff, Erenice Guerra e de quem mais tiver sido citado no rol de suspeitos da confecção do dossiê. No embalo, os deputados e senadores da base aliada saíram rejeitando todos os requerimentos de convocação de depoentes na CPI dos Cartões com um ar de “o caso agora está resolvido”. Não só não está, como nada indica que vá ser resolvido da maneira adequada. O fato de o governo produzir um dossiê de intimidação, vários ministros e parlamentares terem dados sinais disso com ameaças veladas e divulgação de informações isoladas sobre os gastos de Fernando Henrique, continuará em aberto. A sindicância instaurada na Casa Civil para descobrir quem produziu o dossiê a partir do “banco de dados” organizado para atender a requisições inexistentes, terá destino semelhante ao do inquérito sobre o dossiê Vedoin, arquivado pela Polícia Federal sem apontar a origem do dinheiro flagrado com os “aloprados” no hotel em São Paulo. Naquela ocasião também houve a inversão de ônus para cima do delegado que exibiu, como manda a norma, o dinheiro para ser fotografado. A partir daquele ponto, a discussão não era mais sobre a origem dos recursos, mas a respeito do gesto do delegado de pôr as notas em cima de uma mesa. Como agora, com Álvaro Dias. Discute-se o trajeto do dossiê até a redação da revista e se esquece o conteúdo, a finalidade do dossiê e a denúncia original: a constatação de um aumento fora do comum nos gastos dos cartões de crédito corporativos, as despesas com saques na boca do caixa e os casos concretos de ministros pegos em evidente uso indevido da prerrogativa de gastar por conta. Sufocada pela maioria, a oposição já não gesticula da maneira amável de semanas atrás, joga para dar trabalho, pelo visto decidida a fazer oposição. Na CPI, faz a maioria rejeitar todos os requerimentos de quebras de sigilo e depoimentos a fim de desmistificar a alegada disposição governista de investigar, e expõe relator petista cobrando dele a feitura de um relatório para o qual seriam necessárias informações, cuja obtenção é negada pelos próprios aliados. Fora dela, propõe a criação de outra comissão só no Senado, produz o espetáculo da abertura de contas dos integrantes do governo Fernando Henrique no intuito de constranger o atual e chama Dilma Rousseff para depor em comissão permanente para, longe do cenário de CPI, perguntar a ela sobre o dossiê. De antemão os oposicionistas sabem que ninguém no Planalto e adjacências vai se sentir no dever moral de abrir gastos, como sabem que dificilmente a ministra da Casa Civil irá ao Congresso e que uma CPI no Senado não é tão ameaçadora assim. E se não esperam sucesso, querem o quê? Obrigar o governo a se defender e a dividir com o corre-corre para proteger uma ministra daqui, evitar mais uma CPI dali, o tempo e a energia que o Planalto gostaria de investir todo em 2010, o ano que já começou. No Legislativo Quanto mais o entorno do presidente Lula vai perdendo a cerimônia de defender sua permanência no poder, mais claro fica o motivo da ampliação da base governista no Congresso no segundo mandato. Logo depois da reeleição, pareceu desperdício de esforço a formação de uma coalizão de 14 partidos, pois nos quatro anos seguintes não haveria nada de fundamental a ser votado. Agora, a construção da aliança já soa como medida preventiva. No Judiciário Outros ministros compartilham da convicção manifestada publicamente ontem pelo presidente eleito do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, de que o terceiro mandato, se virar uma proposta concreta, acabará no STF. E apontam que aí haverá o crucial teste da independência dos sete ministros - no colegiado de 11 - indicados pelo presidente Lula.
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