Se as relações entre o Brasil e os Estados Unidos forem examinadas do ponto de vista comercial, dominante na agenda bilateral nas últimas décadas, qual seria a melhor solução para nós, um presidente republicano ou um democrata? Os especialistas ouvidos concordam em um ponto: hoje já não há muito o que distinguir entre as políticas comerciais de um ou outro partido, devido à crise econômica que domina o cenário.
O ex-embaixador em Washington Rubens Barbosa não tem dúvidas: pouco mudará em relação à América Latina seja quem for o candidato eleito presidente. “Os programas e propostas são praticamente iguais naquilo que mais nos interessa, que são as relações comerciais. No que se refere ao comércio, os dois partidos e todos os candidatos são protecionistas”.
Já Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute, do Woodrow Wilson International Center for Scholars, de Washington, diz que se formos analisar a relação exclusivamente pelo foco comercial, que há três décadas prevalece sobre as demais questões, o senador republicano John McCain é, “disparado”, a melhor opção: é contra o etanol do milho — e corajoso o suficiente para dizer isso em Iowa — e contra a política de subsídios agrícolas de Washington.
Mas, se eleito, lamenta Sotero, provavelmente não poderá fazer muito, pois os democratas devem ampliar suas maiorias nas duas Casas do Congresso, e a agenda de comércio deve continuar travada, como sugere a disputa do Barack Obama com a Hillary Clinton para ver quem é mais contra o Nafta. A impressão geral é que todos são favoráveis aos subsídios e a restrições cada vez mais sofisticadas para barrar nossos produtos.
Para Rubens Barbosa, os sindicatos estão cada vez mais ativos na defesa dos empregos nos EUA. “Visto por eles, o livre comércio é o principal responsável pelo desemprego crescente.
Dai a oposição ao Nafta, aos acordos de livre comércio com a Coréia, com a Colômbia e na Rodada de Doha.
Agora os sindicatos estão exigindo a negociação de cláusulas ambientais e sociais, verdadeiras novas barreiras não-tarifárias”.
Democratas e republicanos no Congresso defendem essas posições, e os candidatos em maior ou menor grau defendem isso na campanha. O consultor especializado em questões interamericanas Silvério Zebral lembra que republicanos capturam votos entre os sindicatos patronais dos setores menos dinâmicos da economia americana — em geral, pouco abertos à competição internacional e, portanto, protecionistas.
“Assim, se por um lado há pressão por políticas protecionistas do trabalho local, provenientes de sindicatos de trabalhadores do lado democrata, há a mesma pressão por políticas protecionistas da produção nacional provenientes de sindicatos patronais do lado republicano”.
Zebral analisa o voto democrata como sendo “um voto mais ‘urbano’, proveniente de grupos sociais que são mais atentos aos temas internacionais porque estão mais sujeitos aos efeitos da globalização (quer sejam a ‘exportação de postos de trabalho’, via abertura comercial ou a ‘importação de trabalhadores’, via abertura de fronteiras)”.
Praticamente reproduzindo os comentários feitos pelo candidato Barack Obama recentemente, que provocaram grande reação do eleitorado democrata, Silvério Zebral diz que o republicanismo americano “é característico da América profunda, prevalente nas médias e pequenas cidades, marcado por uma atitude ‘interiorana’ algo distante diante daquilo que transcende as fronteiras estaduais; e onde os temas internos (a defesa da propriedade, os impostos) estão mais acima na agenda de preocupações”.
A exploração desse sentimento da “América profunda”, que em tempos de crise econômica torna-se mais conservadora mesmo entre o eleitorado teoricamente mais liberal dos democratas, como estamos vendo na radicalização do discurso da senadora Hillary Clinton, é um fenômeno que certamente terá influência na eleição presidencial propriamente dita. E está levando o candidato republicano John McCain a ganhar espaço entre eleitores independentes e mesmo democratas.
Para Zebral, “é razoável identificar McCain como o menos protecionista e Obama como o mais protecionista”.
Ele acha que a América Latina — e o Brasil em particular — “nunca teve um peso expressivo na agenda diplomática americana, em especial depois que o continente asiático (o Japão nos anos 80, os tigres nos anos 90 e a China na virada do século) e o Oriente Médio (desde sempre, mas principalmente depois do 11 de setembro e do petróleo acima dos US$ 100) tornaramse as preocupações principais da diplomacia A m e r i c a n a ” .
Desde sempre, ressalta, há uma ampla dissonância entre o discurso da importância estratégica do Brasil “como liderança regional natural” e o grau de conhecimento dos problemas concretos e, mesmo, das injunções políticas b r a s i l e i r a s .
O embaixador Rubens Barbosa vai na mesma direção.
Para ele, os EUA continuarão alheios ao que se passa na região, com atenção pontual para o caso da Colômbia, onde o Plano Colômbia já consumiu cerca de 4 bilhões de dólares; a Venezuela, responsável por 15% das importações de petróleo, e ao Haiti, devido ao envolvimento da ONU e as forças de paz.
Entrevista:O Estado inteligente
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