Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 30, 2008

Celso Ming - Petrobrás, efeito Argentina




O Estado de S. Paulo
30/4/2008

A Petrobrás repete com seus preços a mesma prática de represamento e populismo econômico adotada na Argentina. E qualquer um sabe onde isso desemboca.

O último reajuste ocorreu em setembro de 2005, quando os preços do barril de petróleo eram de US$ 60. Hoje, estão nos US$ 115, mas já passaram dos US$ 119.

A Petrobrás está entalada nessa política de preços, que coloca em risco sua capacidade de investimento e o futuro da política antiinflacionária do governo Lula.

Até aqui, as advertências de que esse jogo produz distorções eram vistas como papo de acionista incapaz de ver o interesse nacional. Mas as justificativas para manter os preços não fazem mais sentido. Os resultados operacionais da Petrobrás se deterioram a olhos vistos. Quando divulgar o balanço trimestral, o diretor-financeiro, Almir Barbassa, ainda tentará explicar a magreza dos balanços, que não tem paralelo entre as grandes do setor. Vai repetir a lengalenga de que plataformas entraram em manutenção, que houve atraso na entrega de equipamentos e tal. Desta vez, vai ser difícil convencer.

Até agora a Petrobrás repetia quatro argumentos para manter os preços. O primeiro é o de que não cabe reajuste enquanto não se obtém estabilidade nas cotações internacionais. A conversa começou com o petróleo a US$ 80 o barril. Hoje está o dobro disso e não há sinais de que a estabilidade esteja à vista.

Outro argumento é o de que a gasolina agora compete com o álcool e é preciso considerar os dois preços para que os derivados de petróleo não percam mercado interno. Essa idéia não tem pé nem cabeça porque o que sobrasse de gasolina poderia ser exportado a preços mais altos do que os praticados aqui.

Um terceiro argumento é o de que toda empresa tem uma estratégia de mercado e, com base nela, não é obrigada a seguir preços internacionais. É uma razão aceitável se as distorções não viessem, como vieram, a galope.

E o quarto argumento é o de que a queda das cotações do dólar no câmbio interno compensam a falta de reajustes em reais. Mas isso deixou há muito de ser verdade. Como o presidente Lula já reconheceu, os preços dos combustíveis “estão defasados”. Os cálculos variam, mas é coisa em torno dos 30%.

A maior distorção não são eventuais interesses contrariados do acionista privado. É a perda progressiva da capacidade de investimento da Petrobrás, num momento em que precisa desenvolver os novos campos de petróleo e gás na Bacia de Santos. Só Tupi vai exigir cerca de 750 poços, a um custo que pode passar dos US$ 20 bilhões. E ainda será preciso a instalação de uma enorme infra-estrutura: sondas, plataformas, navios-tanque, oleodutos, etc.

Outra distorção é a de que a estatal precisa construir refinarias e não encontra sócios dispostos a enfrentar preços (e lucros) comprimidos.

Quanto maior o atraso dos preços, mais difícil será a correção das anomalias e maior o impacto inflacionário dos reajustes. Essas distorções ainda não explodiram ante a opinião pública porque a Petrobrás vem fazendo golaços na área da prospecção e exploração de novos campos produtores.

Preço represado é folga agora, mas encrenca futura.

Confira

Preocupa - O IGP-M de abril divulgado ontem avançou 0,69%, muito acima do esperado (cerca de 0,5%). Esta não é a medida oficial da inflação (que é o IPCA). Contém participação alta de preços no atacado (60%). Por isso, pode mostrar o que acontece com as mercadorias antes de chegarem ao varejo.

O IPCA de abril pode não refletir esse impacto. Mas o mercado deve puxar para cima suas expectativas futuras.

Essa disparada dá razão ao Banco Central, que já tinha farejado o esticão, e provavelmente justificará juros mais altos até o final do ano.

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