PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
25/4/2008 |
Os tempos de hoje não são mesmo tempos simples. A ata do Copom ontem tentou mostrar isso. Há várias pressões sobre os preços: sobem o consumo, os salários, o crédito, as expectativas; e, de fora, vêm choques de preços. Normalmente, alta de alimentos é sazonal, ocorre a cada ano; ou efeito de um evento climático atípico, que vem e passa. A atual crise, no entanto, tem outra natureza. A ata mostrou que a demanda aquecida - ajudada pelo aumento ininterrupto de crédito e renda - tem assustado o Banco Central. Se fosse só isso, seria possível dizer que o BC tem medo de crescimento. Mas há outros sinais; alguns perturbadores. Os preços no atacado subiram muito e, com o aumento da disponibilidade de dinheiro, podem encontrar terreno fértil para subir no varejo. Aqui se poderia repetir uma velha lei que o Brasil já aprendeu: que o IPC não está grávido do IPA, ou seja, não necessariamente os preços do atacado são repassados ao varejo. Mas, de fato, quando a economia está aquecida como agora, o risco de repasse é maior. Na ata, o Banco Central diz que está havendo investimentos que aumentarão a oferta de produtos para atender à demanda crescente. O problema, alerta, é se haverá tempo para se concretizar o aumento da oferta. Normalmente a ata desce à minúcia, justificando a decisão e exibindo preocupações. Desta vez, tinha que ser mais convincente, pois, após três anos, o Copom subiu os juros, num momento em que eles caem em vários países. Na dissecação dos números, o BC explica que todos os índices estão subindo e, mesmo quando se retira a inflação de alimentos, as taxas mostram alta. Explica também que o que mais aumenta são os preços livres, nos quais se incluem os alimentos. Os livres subiram 6,03% em 12 meses, enquanto os administrados (submetidos a algum tipo de controle) permaneceram em 1,83%. Este ano, o Banco Central acha que os administrados vão subir 4%, e os livres estão afetados por um fator imponderável. Quem pode dizer hoje até que nível irá a pressão dos preços dos alimentos? Isso não está dito assim na ata, mas o fato é que, mesmo num país em que os juros já são altos, é preciso estar atento para evitar a propagação de um choque de preços cujas variáveis são de difícil controle. As altas conjunturais de alimentos são as dos in natura, ou seja, a feira. Mas as commodities, como soja, milho, trigo e até arroz, estão numa trajetória complexa e imprevisível. Pior que isso: quanto mais as commodities agrícolas têm risco de subir de preço, mais interesse atraem dos especuladores que querem se garantir contra um dólar fraco e contra ativos financeiros voláteis. O contexto no qual o BC elevou os juros é este: o país cresce, o crédito se expande, os investimentos cumprem seu período normal de defasagem para virar oferta, há um choque agrícola global e o petróleo disparou. Por enquanto, o consumidor brasileiro tem sido poupado das altas de petróleo. O consumidor direto de combustível. Porque os preços menos visíveis têm subido e encarecido os custos de produção em várias áreas. A ata não prevê aumento de gasolina e gás para 2008, mas, em algum momento, terá que rever isso para 2009. Dificilmente esses preços ficarão para sempre no patamar em que estão hoje aqui no país. O que assusta no documento do Banco Central é saber que ele continua "pronto para agir", ou seja, se considerar que há necessidade, não vai hesitar em aumentar a Selic. O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, deu ontem uma entrevista para meu blog na qual ele calcula, como um quadro provável, uma Selic em torno de 13% ao fim do ano. Bastariam, para tanto, mais dois aumentos de 0,5 ponto e um de 0,25. Ele acha estranho o fato de o BC ainda não pôr na conta nenhum aumento nos combustíveis nestes dois anos. A alta de preços dos tempos atuais tem um componente preocupante: no curto prazo, não há indícios de que os alimentos, que são, junto com o petróleo, o que mais pressiona a inflação em todo o mundo, venham a cair. Mesmo que o mundo diminua muito seu crescimento, a comida é o último dos gastos que os consumidores cortam. O que pode diminuir, sim, é a especulação com as commodities. A negociação desses ativos tem ajudado, num cenário já complicado, a pressionar os preços. Um mundo crescendo menos pode derrubar preços das commodities não-agrícolas, mas dificilmente terá impacto nas agrícolas. Esta reunião do Copom provocou reação dentro do governo e um claro conflito entre o Banco Central e o grupo Ministério da Fazenda-BNDES-Ministério do Desenvolvimento. O BC optou por elevar os juros mais do que se esperava, o que intensificou a tensão. A palavra-chave na ata é "prudência"; a outra expressão é "ação preventiva". O texto diz que "a prudência passa a ter um papel ainda mais importante" num cenário de demanda aquecida, em que o efeito de uma decisão demora a se realizar (as defasagens dos mecanismos de transmissão), e tudo isso aumenta a "incerteza" e alimenta as expectativas dos agentes econômicos. Expectativas de alta que podem se cumprir caso o Banco Central pareça de mãos atadas pelo veto político. Esse perigo o BC evitou ao mostrar liberdade para agir. Mas tem outros desafios: navegar neste mar tempestuoso mantendo o país crescendo e evitando nosso maior inimigo, o iceberg de uma inflação crescente. |
Entrevista:O Estado inteligente
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