Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, setembro 09, 2012
Quem tem medo da privatização? - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 09/09
Quando a globalização dava sinais de avanço no mundo, lá pelas décadas de 1980/1990, os resistentes a ela no Brasil não queriam nem ouvir falar, manifestavam-se contra e ponto final. Diziam que ela aprofundaria a desigualdade social no planeta, já que os países pobres tinham muito a perder e os ricos, só a ganhar. Queriam simplesmente barrá-la (como se isso fosse possível!).
Os que viam a globalização como um fenômeno inevitável e sem volta argumentavam que os países pobres deveriam unir forças para enfrentá-la, inverter a equação apregoada pelos resistentes e usar a globalização a seu favor. Como? Atraindo capital dos ricos, aplicando-o em progresso econômico, importando novidades tecnológicas e difundindo novos conhecimentos.
Os anos passaram. É verdade que Brasil, México, Rússia e Argentina enfrentaram transtornos em seus programas de estabilização nos anos 1990. Mas a primeira crise econômica pós-globalização em escala mundial tem sido muito dura com os países ricos e leve com os pobres. O ex-presidente Lula até já a chamou de marolinha! O feitiço, então, virou contra o feiticeiro? Nada disso, simplesmente o diagnóstico dos resistentes estava errado. A globalização beneficiou o Brasil, internalizou riqueza; trouxe capital, empresas e progresso econômico; gerou empregos; possibilitou a expansão das exportações; e contribuiu para a ascensão de milhares de pobres à classe média. Os resistentes ao novo - aqueles que preferem nada mudar para manterem seu domínio, em vez de usar a inteligência e do novo extrair benefícios - só conseguem adiar a História e atrasar o progresso.
É o que vem acontecendo nos governos do PT em relação à privatização.
Quem chega ao Palácio do Planalto conhece as limitações do Estado. Não só as de capacidade financeira, mas também as de eficácia em gestão - aí incluídas as práticas de corrupção, que muitas vezes duplicam ou triplicam o valor de uma obra pública. Ao reconhecer isso, o mais lógico seria o governo transferir para o capital privado projetos não estratégicos para a segurança do País.
Ajudado pelo ex-ministro Antonio Palocci, Lula também reconheceu a importância do capital privado, ao desembarcar em Brasília, em 2003. Mas a odiosa rivalidade com os tucanos - que privatizaram estatais no governo Fernando Henrique Cardoso - levou Lula a recorrer às parcerias público-privadas, as famosas PPPs, que nunca decolaram. Seria mais fácil e de resultados mais rápidos licitar projetos de infraestrutura para a iniciativa privada.
Simples? Não para o PT. Como as PPPs não vingaram, o governo não tinha dinheiro para investir nem cedia à privatização, o País foi castigado e o crescimento econômico, emperrado pela falta de rodovias, portos, ferrovias, aeroportos, hidrelétricas, enfim, por causa dos gargalos que impedem o progresso. No segundo mandato, Lula licitou algumas rodovias, mas o modelo foi tão ruim que hoje os consórcios vencedores não conseguem cumprir as metas acertadas em seus contratos.
Aeroportos. Atuando mais uma vez como conselheiro, o ex-ministro Antonio Palocci convenceu a presidente Dilma Rousseff a ceder à privatização. Com a proximidade da Copa do Mundo e a urgência em ampliar a capacidade dos aeroportos para receber visitantes, ela concordou em transferir a gestão dos Aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília para consórcios privados.
Porém, como no caso das rodovias, o modelo da licitação foi ruim e não conseguiu atrair operadoras estrangeiras competentes nem as maiores construtoras brasileiras. Insatisfeita com o resultado, Dilma enviou uma missão à Europa, comandada pela ministra Gleisi Hoffman, para tentar atrair grandes operadoras - com experiência em aeroportos de 30 milhões e 35 milhões de passageiros por ano - para participarem dos leilões dos Aeroportos do Galeão (no Rio de Janeiro) e de Confins (em Belo Horizonte).
Dilma é mais pragmática do que Lula, mas também é mais ideológica. Seu projeto de fazer de privilegiados grupos privados nacionais grandes players internacionais acabou morrendo, carregando junto muitos bilhões de reais do BNDES. Mas o fracasso não serviu de aprendizado. No caso dos Aeroportos do Galeão e de Confins, o estatismo/nacionalismo novamente aflorou, mas o pragmatismo responsável também: ela quer operadoras competentes, sim, mas que aceitem a estatal Infraero como sócia controladora, com 51% das ações, e que se contentem com 49% divididos com outros sócios brasileiros.
Diferentemente da pressa e da euforia com que o governo do PT costuma anunciar feitos de sucesso, desta vez a ministra Hoffman foi extremamente econômica e discreta ao responder sobre o resultado de sua missão: limitou-se a dizer que a viagem foi "boa e produtiva" e que "há investidores interessados no Brasil". Horas depois, a Secretaria de Aviação Civil divulgou nota com generalidades: "Os encontros contribuíram para a troca de informações" e "não há decisão sobre novas concessões de aeroportos no Brasil". Nos bastidores em Brasília, informa-se que os investidores europeus consultados rejeitaram a ideia de se submeter ao poder majoritário da Infraero. Mas informa-se, também, que o governo não desistiu e vai procurar outras operadoras antes de preparar as regras de licitação.
Tudo indica que Dilma Rousseff terá de optar entre competência operacional e ideologia. Ou trazer para o Galeão e Confins quem sabe operar ou manter a Infraero no comando, com investidores inexperientes prestando um serviço de má qualidade. Com grande chance de repetir os erros cometidos nas licitações das rodovias.
Ao entregar a gestão dos Aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília a investidores estrangeiros, a própria Dilma Rousseff reconheceu que administrar a aviação comercial não põe em risco a segurança do País. Portanto, fora razões estritamente ideológicas, não há nenhum motivo para agir diferentemente em relação ao Galeão e a Confins.
Em mais de 20 anos, além de penalizar o mundo rico na atual crise, a globalização deu inúmeras provas de que ideologia e investimento não combinam. Pelo contrário, quando atuam em parceria, a única coisa que conseguem é adiar a História e atrasar o progresso. A Copa está pertinho e o Brasil tem pressa.
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