O ESTADÃO - 20/09
O governo federal reduziu tributos para estimular a atividade econômica, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de automóveis. Paralelamente, vem afirmando que outras reduções, como a de encargos cobrados nas contas de energia elétrica, contribuirão para aliviar pressões inflacionárias. Ligadas, entre outros fatores, ao já manifestado aumento de preços de grãos e a uma eventual elevação dos de derivados de petróleo.
Há evidências de que preços se reduzem com quedas de impostos. A mais recente e forte foi em junho, quando o IPCA, o índice de preços também meta da política monetária do governo, teve taxa mensal de apenas 0,08%. Para uma ideia de quão baixa foi vale lembrar que nos cinco meses anteriores a taxa média ficou em 0,44% e em julho e agosto foi de 0,42%. Além disso, para que a inflação fique em 4,5% ao ano - a meta do Banco Central - taxas mensais devem oscilar em torno de 0,37% ao mês.
Essa menor taxa do IPCA em junho veio principalmente da redução do IPI de automóveis. Os preços dos novos caíram 5,48% no mês e o efeito alcançou o mercado de usados, no qual a oferta se ampliou pelas trocas por novos. Com isso os preços dos usados caíram 4,12% em média.
Na visão usual dos economistas, é um caso de reduções de impostos e de preços localizadas e temporárias, pois a queda do IPI tem esta última característica. Há, contudo, espaço considerável para reduções de impostos e de preços de forma mais geral, mas sob determinadas condições. Esse espaço vem de peculiaridade da estrutura tributária brasileira, na qual têm maior importância os chamados impostos indiretos, que recaem sobre preços de bens e serviços (IPI, ICMS e outros), do que impostos diretos sobre a renda e a propriedade, como o Imposto de Renda e o IPTU.
Tal estrutura tem impacto social odioso, pois quem ganha menos gasta maior parcela de seu orçamento em bens, serviços e seus altos impostos. O resultado é que no Brasil os mais pobres pagam, relativamente à sua renda, parcela de tributos maior que a dos mais ricos. Até mendigos pagam impostos ao comprar alimentos!
Nos EUA, de onde vem a maioria dos livros-texto de economia, ocorre a predominância dos impostos diretos. Assim, o brasileiro que para lá viaja, também com o objetivo de encher as malas no retorno, cai no que chamo de "ótimo tributário". Explico: em termos relativos paga menos impostos diretos aqui e vai às compras diante dos menores impostos indiretos desse país.
Com esse quadro tributário, quando o governo federal dos EUA quer estimular a economia reduzindo impostos, usualmente recorre ao Imposto de Renda. Daí surge a tradicional e enorme briga entre republicanos e democratas, com aqueles querendo reduzir impostos dos mais ricos e estes buscando manter ou ampliar a cobrança para financiar programas sociais para os mais pobres. E tudo passa pelo Congresso.
Aqui o Poder Executivo pode mexer nas alíquotas do IPI, e vive fazendo isso, privilegiando este ou aquele setor, influenciado em parte pela força do lobby setorial. Na indústria automobilística, na qual é mais forte, reúne empresários e trabalhadores, estes politicamente muito poderosos. Afinal, um deles foi presidente da República e continua influente.
Quanto às condições para uma eficaz política tributária anti-inflacionária, uma condição básica está dada, pois a carga tributária nacional é indecentemente elevada, carecendo de contenção e redução. Ou seja, o instrumento é forte. E é também de fácil utilização pelo Poder Executivo.
Mas há que fazê-lo de forma mais generalizada, para não ficar ao sabor de interesses privados e de idolatrias setoriais governamentais. Se for para existir um viés, que seja no estímulo a investimentos, para ampliar a capacidade produtiva do País e torná-lo mais competitivo e menos dependente do vaivém da economia mundial. Outra condição, esta óbvia, é que as reduções sejam definitivas, e não temporárias.
Uma condição bem mais complicada é que será preciso assegurar que os preços não subam com o próprio estímulo da redução tributária. Recorde-se que a inflação diz respeito aos preços no seu conjunto e se manifesta quando sobem de forma persistente por um período suficientemente amplo para causar preocupação. Ora, impostos e preços mais baixos estimularão a demanda, que também será ampliada com a renda gerada pela maior oferta de bens e serviços. Se esta estressar a capacidade dos fatores de produção, seus preços, como os salários, e os preços em geral tenderão a subir e estará criado um quadro inflacionário.
Como sair dessa? O governo precisará entender que sua contribuição à contenção inflacionária não poderá limitar-se à redução de impostos. Além do papel da política monetária, inclusive a creditícia, terá de conter seus gastos. E não apenas por uma questão orçamentária, já que a arrecadação tenderá a cair ou ao menos não subir por um bom tempo. Assim, uma contenção de gastos contrabalançaria o risco de inflação que viria com os efeitos estimulantes das reduções tributárias. E, nos gastos, deveria privilegiar maiores investimentos, para ajudar na expansão da oferta de bens e serviços, como os ligados à infraestrutura produtiva.
Ou seja, a ideia pode funcionar, desde que o governo, como nunca antes neste país, reconheça que chegou a hora de reduzir seu superdimensionado tamanho em termos relativos - mas no contexto de um PIB crescente -, de conter seu viés pró-gastos de custeio e permanentes e de reconhecer, com desonerações tributárias e parcerias público-privadas, o indispensável papel de um setor privado mais eficaz e eficiente que ele.
Enfim, cabe-lhe o desafio de se ajustar a uma mudança indispensável para levar o Brasil a uma rota de crescimento bem mais acelerado e sustentável.
O governo federal reduziu tributos para estimular a atividade econômica, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de automóveis. Paralelamente, vem afirmando que outras reduções, como a de encargos cobrados nas contas de energia elétrica, contribuirão para aliviar pressões inflacionárias. Ligadas, entre outros fatores, ao já manifestado aumento de preços de grãos e a uma eventual elevação dos de derivados de petróleo.
Há evidências de que preços se reduzem com quedas de impostos. A mais recente e forte foi em junho, quando o IPCA, o índice de preços também meta da política monetária do governo, teve taxa mensal de apenas 0,08%. Para uma ideia de quão baixa foi vale lembrar que nos cinco meses anteriores a taxa média ficou em 0,44% e em julho e agosto foi de 0,42%. Além disso, para que a inflação fique em 4,5% ao ano - a meta do Banco Central - taxas mensais devem oscilar em torno de 0,37% ao mês.
Essa menor taxa do IPCA em junho veio principalmente da redução do IPI de automóveis. Os preços dos novos caíram 5,48% no mês e o efeito alcançou o mercado de usados, no qual a oferta se ampliou pelas trocas por novos. Com isso os preços dos usados caíram 4,12% em média.
Na visão usual dos economistas, é um caso de reduções de impostos e de preços localizadas e temporárias, pois a queda do IPI tem esta última característica. Há, contudo, espaço considerável para reduções de impostos e de preços de forma mais geral, mas sob determinadas condições. Esse espaço vem de peculiaridade da estrutura tributária brasileira, na qual têm maior importância os chamados impostos indiretos, que recaem sobre preços de bens e serviços (IPI, ICMS e outros), do que impostos diretos sobre a renda e a propriedade, como o Imposto de Renda e o IPTU.
Tal estrutura tem impacto social odioso, pois quem ganha menos gasta maior parcela de seu orçamento em bens, serviços e seus altos impostos. O resultado é que no Brasil os mais pobres pagam, relativamente à sua renda, parcela de tributos maior que a dos mais ricos. Até mendigos pagam impostos ao comprar alimentos!
Nos EUA, de onde vem a maioria dos livros-texto de economia, ocorre a predominância dos impostos diretos. Assim, o brasileiro que para lá viaja, também com o objetivo de encher as malas no retorno, cai no que chamo de "ótimo tributário". Explico: em termos relativos paga menos impostos diretos aqui e vai às compras diante dos menores impostos indiretos desse país.
Com esse quadro tributário, quando o governo federal dos EUA quer estimular a economia reduzindo impostos, usualmente recorre ao Imposto de Renda. Daí surge a tradicional e enorme briga entre republicanos e democratas, com aqueles querendo reduzir impostos dos mais ricos e estes buscando manter ou ampliar a cobrança para financiar programas sociais para os mais pobres. E tudo passa pelo Congresso.
Aqui o Poder Executivo pode mexer nas alíquotas do IPI, e vive fazendo isso, privilegiando este ou aquele setor, influenciado em parte pela força do lobby setorial. Na indústria automobilística, na qual é mais forte, reúne empresários e trabalhadores, estes politicamente muito poderosos. Afinal, um deles foi presidente da República e continua influente.
Quanto às condições para uma eficaz política tributária anti-inflacionária, uma condição básica está dada, pois a carga tributária nacional é indecentemente elevada, carecendo de contenção e redução. Ou seja, o instrumento é forte. E é também de fácil utilização pelo Poder Executivo.
Mas há que fazê-lo de forma mais generalizada, para não ficar ao sabor de interesses privados e de idolatrias setoriais governamentais. Se for para existir um viés, que seja no estímulo a investimentos, para ampliar a capacidade produtiva do País e torná-lo mais competitivo e menos dependente do vaivém da economia mundial. Outra condição, esta óbvia, é que as reduções sejam definitivas, e não temporárias.
Uma condição bem mais complicada é que será preciso assegurar que os preços não subam com o próprio estímulo da redução tributária. Recorde-se que a inflação diz respeito aos preços no seu conjunto e se manifesta quando sobem de forma persistente por um período suficientemente amplo para causar preocupação. Ora, impostos e preços mais baixos estimularão a demanda, que também será ampliada com a renda gerada pela maior oferta de bens e serviços. Se esta estressar a capacidade dos fatores de produção, seus preços, como os salários, e os preços em geral tenderão a subir e estará criado um quadro inflacionário.
Como sair dessa? O governo precisará entender que sua contribuição à contenção inflacionária não poderá limitar-se à redução de impostos. Além do papel da política monetária, inclusive a creditícia, terá de conter seus gastos. E não apenas por uma questão orçamentária, já que a arrecadação tenderá a cair ou ao menos não subir por um bom tempo. Assim, uma contenção de gastos contrabalançaria o risco de inflação que viria com os efeitos estimulantes das reduções tributárias. E, nos gastos, deveria privilegiar maiores investimentos, para ajudar na expansão da oferta de bens e serviços, como os ligados à infraestrutura produtiva.
Ou seja, a ideia pode funcionar, desde que o governo, como nunca antes neste país, reconheça que chegou a hora de reduzir seu superdimensionado tamanho em termos relativos - mas no contexto de um PIB crescente -, de conter seu viés pró-gastos de custeio e permanentes e de reconhecer, com desonerações tributárias e parcerias público-privadas, o indispensável papel de um setor privado mais eficaz e eficiente que ele.
Enfim, cabe-lhe o desafio de se ajustar a uma mudança indispensável para levar o Brasil a uma rota de crescimento bem mais acelerado e sustentável.