Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 07, 2012

O jeitinho brasileiro - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O GLOBO - 07/06



Jeito sempre tem, inclusive para o Euro, a Espanha e mesmo para a Grécia.
 

Querem uma prova? O Brasil. Isso mesmo, o governo FHC implementou várias políticas que hoje são sugeridas como solução na Europa.
A negociação da dívida dos Estados brasileiros é um exemplo citado na imprensa internacional. Resumindo: os governos estaduais brasileiros estavam tão quebrados quanto a Grécia, Irlanda e Portugal. Emitiam seus próprios títulos de dívida (as carioquinhas, as paulistinhas) que o mercado só aceitava cobrando juros altíssimos. Assim, os governos ou se endividavam ainda mais, pelo efeito dos juros, ou empurravam seus títulos para os bancos estaduais (Banerj, Banespa etc). Resultado, quebraram os governos e os bancos.
Solução: o governo federal "comprou" os títulos estaduais e refinanciou outras dívidas, pagando com títulos do Tesouro nacional, de credibilidade maior e, pois, juros menores.
Como seria na Zona do Euro? A criação dos tais "eurobônus", ou títulos da dívida européia, garantidos pela União Européia e negociados no Banco Central Europeu. Assim, em vez de vender títulos gregos, espanhóis, italianos, etc, pagando taxas proibitivas, os respectivos governos seriam financiados com os papéis "federais", que, sendo da UE, teriam, no fundo, a garantia alemã.
Mas a solução brasileira incluiu poderosas contrapartidas. Os governos estaduais, desde então, são obrigados a pagar uma prestação mensal a Brasília (se falharem, não recebem participação nos impostos federais), não podem mais emitir títulos, têm despesas limitadas e controladas e outros endividamentos são restritos a uma porcentagem das receitas. E o governo federal não pode mais financiar os Estados, tudo previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Por isso, a solução dos eurobônus ainda não foi aceita pela Alemanha. Angela Merckel exige, antes, regras parecidas à brasileira, que restrinjam a capacidade dos Estados na administração de suas contas e suas dívidas. Mais difícil lá, pois não são governos regionais e sim Estados nacionais que deveriam abrir mão de parte da soberania. É o que François Hollande não aceita, por exemplo. Ele quer bônus com a garantia européia/alemã, mas sem as restrições de soberania fiscal.
Não esquecer: outra parte importante da solução brasileira foi a intervenção, fechamento e/ou oprivatização dos bancos estaduais. Tem banco estatal na Europa que pode ser fechado.
Mas a dificuldade maior está em bancos privados, atolados com créditos podres.
Sem problemas: estudem o Proer brasileiro, do final dos anos 90, quando vários bancos locais quebraram com o fim da inflação. Ainda na semana passada, em editorial sobre a Espanha, a revista Economist sugeriu: o governo intervém nos bancos quebrados, separa os ativos podres, colocando-os no "banco ruim", que é simplesmente liquidado. O que sobra, se sobra, o banco bom, é vendido. Ora, foi exatamente o que se fez aqui com Nacional, o Bamerindus e o Econômico - para citar apenas os maiores.
Calcula-se que o custo disso na Espanha chegue a 10% do Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, ficou mais barato. Na época, houve muita oposição, inclusive e especialmente do PT. Hoje, todos, inclusive Lula e Dilma são os primeiros a falar da solidez do sistema bancário brasileiro.
Outro ponto importante: Banco do Brasil e Caixa estavam literalmente quebrados, por causa de empréstimos fartamente concedidos com critérios políticos e má administração. O governo federal colocou uns R$ 15 bilhões para reaprumar esses dois bancos e estabeleceu novas regras de gestão, mas propriamente "bancárias".
Por isso, aliás, é preciso ficar de olho nessas manobras do governo Dilma para forçar os bancos a reduzirem juros e ampliarem o crédito. Existe, sim, o risco de que estejam abrindo novos buracos.
Mas, voltando à Europa, o problema para um Proer deles está, de novo, na falta de uma verdadeira federação européia, que submeta os Estados nacionais a uma disciplina comum.
Ou seja, jeito sempre tem, mas nunca é fácil. Precisa combinar com muita gente, a começar pelos eleitores. No Brasil, FHC tinha um sólido mandato nacional para tocar essas e outras reformas. Na Zona do Euro, é obviamente mais difícil obter esse mandato.
Os eleitores franceses, por exemplo, votaram contra a austeridade. Os irlandeses, a favor. Os gregos votam agora de novo. Os alemães, de seu lado, não manifestam entusiasmo pelos "eurobônus". Temem que os gastadores torrem ainda mais com a garantia alemã.
A única coisa que ajuda, digamos assim, é a emergência, a situação de vai ou racha. E o que pode rachar é simplesmente a mais bela construção política e econômica do século passado.
Não nos esqueçamos: a Europa unida gerou crescimento, ganho de renda elevado (especialmente para os que eram mais pobres, como Espanha, Portugal e Grécia) e regimes democráticos. Eles vão lutar para salvar isso.

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