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terça-feira, junho 26, 2012

Crise paraguaia requer sensatez - EDITORIAL O GLOBO -



O GLOBO - 26/06


O impeachment de Fernando Lugo, executado em alta velocidade e por ampla maioria no Congresso paraguaio, coloca o Brasil diante de uma situação intrincada, circunstância em que a melhor postura a assumir é de serenidade, longe de escaladas verbais e rompantes de bolivarianos e chavistas espalhados pelo continente, inclusive com representantes em Brasília.
Além de a teoria do "golpe parlamentar" ser discutível, o Brasil, ao contrário de outros vizinhos, tem enormes interesses objetivos no Paraguai, como a energia de Itaipu, o comércio propriamente dito, além de uma grande comunidade de "brasiguaios", responsáveis pelo crescimento agrícola do país e alvo de grupos radicais de sem-terra, fortalecidos com o pouco caso de Lugo diante do agravamento do conflito agrário, um dos argumentos a favor do seu impeachment. A tese do "golpe" já tinha contra si o fato de não haver notícia de mudanças de legislação encomendadas com o objetivo de afastar o ex-bispo.
O apoio político-parlamentar quase nulo de Lugo - perdeu na Câmara por 73 a 1, e, no Senado, 39 a 4 - não seria suficiente para atestar a legalidade do impeachment. Mas, além do cumprimento formal dos dispositivos legais, a decisão dos parlamentares foi referendada pela Corte Suprema paraguaia, ao mesmo tempo em que o Tribunal Superior de Justiça Eleitoral do país reconhecia o vice de Lugo, Frederico Franco, como o novo presidente do Paraguai.
O suposto "golpe parlamentar" paraguaio equivale a um outro, idêntico, desfechado pelo Congresso e Justiça de Honduras, em 2009, quando o então presidente hondurenho, Manuel Zelaya, com apoio de Hugo Chávez, tentou aplicar o conhecido "kit bolivariano" de convocar um plebiscito e aprovar mudanças constitucionais para se reeleger. Como há dispositivo na Constituição de Honduras que pune com o afastamento do cargo presidente que tentar manobras para se perpetuar no poder, Zelaya foi destituído legalmente.
Chavistas e bolivarianos protestaram, e o Brasil de Lula e Celso Amorim foi atrás. Chegou a abrigar Zelaya na embaixada brasileira em Tegucigalpa, convertida em comitê de resistência, contra a tradição de profissionalismo do Itamaraty. Foram feitas eleições, vencidas por Roberto Micheletti, mas o Brasil continuou sob a liderança chavista e se recusou a reconhecer o novo governo. A história se repete, de forma bem mais crítica para o Brasil, por ser o Paraguai um país estratégico para os interesses nacionais. Mesmo que o impeachment houvesse tramitado por semanas, Venezuela, Honduras, Equador e Bolívia o denunciariam como "golpe". Inclusive a Argentina, pois, diante do agravamento dos problemas internos, Cristina Kirchner não tem deixado passar oportunidade de manipular assuntos externos para tentar entreter a opinião pública argentina.
Tudo deve ser feito para evitar conflitos no Paraguai. Sintomático que Lugo tenha aceitado o impeachment sem resistir, e, ao perceber o coro de "golpe parlamentar", decidiu reunir seu gabinete em frente de casa. Semeou, com a ajuda do governo Dilma, de Cristina K. e demais o risco de um grande conflito, contra os interesses do Estado brasileiro.
Não que as evidências de um impeachment em rito sumário não devam chamar a atenção de Mercosul, Unasul e OEA. Mas decretar a priori a existência de um "golpe parlamentar" é um excesso. Mais ainda, num surto ideológico, suspender o país do Mercosul e Unasul, e admitir a presença de Lugo na próxima reunião de cúpula, em Mendoza, Argentina.
O ditador Alfredo Stroessner foi mantido em Assunção durante longo tempo por conveniência de Brasil e Argentina. Este é um tempo a ser sepultado, e a terra por cima devidamente salgada.
Os casos de Honduras e, agora, do Paraguai pelo menos justificam que as mesmas zelosas instituições, e o Itamaraty em particular, também não deixem passar sem análise manipulações que Venezuela, Equador e Bolívia - para citar os notórios - fazem do Congresso e Poder Judiciário a fim de destroçar o que resta de democracia em seus regimes, por meio de instrumentos apenas formalmente democráticos.

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