O Estado de S.Paulo - 26/06
Cinco anos depois do estouro da bolha financeira no mundo rico, chegou a hora de Brasil, China, Turquia, Indonésia e outros emergentes tomarem cuidado com a rápida expansão do crédito. O alerta foi lançado pelo BIS, o Banco de Compensações Internacionais, também conhecido como banco central dos bancos centrais, em seu recém-divulgado relatório anual. Não há alarmismo na advertência, mas é bom levar a sério o aviso. Na edição de junho de 1994, o relatório apontou a deterioração veloz das contas mexicanas. O país afundou seis meses depois, enquanto governantes, investidores financeiros e funcionários de agências de classificação de risco faziam cara de surpresa.
Mais conhecido por seu trabalho na área de regulação bancária, o BIS tem-se mantido, ano após ano, como um centro respeitado de análise de conjuntura e de tendências. O risco de uma bolha de crédito nos emergentes é apenas um dos motivos de preocupação apontados no documento. A descrição dos quadros da Europa e dos Estados Unidos continua muito sombria. Durante 20 anos, a partir de agora, os países desenvolvidos precisarão acumular superávits primários - isto é, sem contar a despesa dos juros - para levar a dívida pública aos níveis anteriores à crise.
A advertência sobre o perigo de uma bolha nos países emergentes é uma das novidades do relatório. Outros sinais de risco foram apontados em documentos anteriores. Agora, o foco é a expansão dos financiamentos. O crédito tem crescido muito mais que o Produto Interno Bruto (PIB) em vários emergentes e essa tendência se acentuou recentemente. A diferença entre o crescimento dos empréstimos e o da produção, o "gap do crédito", chegou a 13,5 pontos porcentuais nos últimos três anos no Brasil.
A valorização de alguns ativos - especialmente dos imóveis - é um dos sintomas do descompasso entre o aumento dos empréstimos e o aumento do PIB. Desde o começo da crise das hipotecas nos Estados Unidos, os preços dos imóveis aumentaram 113,4% no Rio de Janeiro e 86,3% em São Paulo.
Consultores brasileiros contestaram a avaliação dos economistas do BIS, negando o risco de uma bolha imobiliária no País. Segundo argumentam, há um enorme déficit habitacional e, portanto, uma demanda sem caráter especulativo. Além disso, o crédito imobiliário representa apenas 5% do PIB (81% nos Estados Unidos e 106% na Holanda) e há uma rígida vigilância sobre o sistema financeiro. Mas a rápida valorização dos imóveis em São Paulo e no Rio de Janeiro é incontestável e dificilmente se poderia classificá-la como normal. Além disso, a análise do BIS é mais ampla e refere-se à veloz expansão do conjunto dos empréstimos ao setor privado.
O aumento da inadimplência também já foi apontado por organizações brasileiras especializadas na avaliação das condições do crédito. Coincidentemente, mais um conjunto de informações foi divulgado ontem pela Fundação Getúlio Vargas. Na faixa de renda mensal de até R$ 2.100, 23,4% dos entrevistados declararam ter mais de 51% de seus ganhos comprometidos com pagamentos de gastos com cheques pré-datados, cartões de crédito, carnês de lojas e outros tipos de financiamentos. Na faixa imediatamente superior, até R$ 4.800, o comprometimento de mais de 51% da renda mensal afeta 24,1% dos consumidores. O grupo menos endividado, com obrigações equivalentes a apenas 12,5% dos ganhos, é o das pessoas com renda acima de R$ 9.600.
No caso do Brasil, a advertência do BIS tem uma implicação clara: há limites um tanto estreitos para uma política de crescimento econômico baseada em grande parte na expansão do crédito e no estímulo ao mercado interno. O crédito ao setor privado ainda representa, no País, algo entre 45% e 50% do PIB. A proporção é bem maior em outras economias. Os técnicos do BIS e do Fundo Monetário Internacional sabem disso. O dado preocupante, segundo eles, é outro: é a velocidade do crescimento dos empréstimos. Além do mais, uma política de estímulo ao mercado interno dificilmente irá longe, se o governo descuidar das condições da oferta - fato comprovado pelos problemas da indústria brasileira diante da invasão dos importados.
Cinco anos depois do estouro da bolha financeira no mundo rico, chegou a hora de Brasil, China, Turquia, Indonésia e outros emergentes tomarem cuidado com a rápida expansão do crédito. O alerta foi lançado pelo BIS, o Banco de Compensações Internacionais, também conhecido como banco central dos bancos centrais, em seu recém-divulgado relatório anual. Não há alarmismo na advertência, mas é bom levar a sério o aviso. Na edição de junho de 1994, o relatório apontou a deterioração veloz das contas mexicanas. O país afundou seis meses depois, enquanto governantes, investidores financeiros e funcionários de agências de classificação de risco faziam cara de surpresa.
Mais conhecido por seu trabalho na área de regulação bancária, o BIS tem-se mantido, ano após ano, como um centro respeitado de análise de conjuntura e de tendências. O risco de uma bolha de crédito nos emergentes é apenas um dos motivos de preocupação apontados no documento. A descrição dos quadros da Europa e dos Estados Unidos continua muito sombria. Durante 20 anos, a partir de agora, os países desenvolvidos precisarão acumular superávits primários - isto é, sem contar a despesa dos juros - para levar a dívida pública aos níveis anteriores à crise.
A advertência sobre o perigo de uma bolha nos países emergentes é uma das novidades do relatório. Outros sinais de risco foram apontados em documentos anteriores. Agora, o foco é a expansão dos financiamentos. O crédito tem crescido muito mais que o Produto Interno Bruto (PIB) em vários emergentes e essa tendência se acentuou recentemente. A diferença entre o crescimento dos empréstimos e o da produção, o "gap do crédito", chegou a 13,5 pontos porcentuais nos últimos três anos no Brasil.
A valorização de alguns ativos - especialmente dos imóveis - é um dos sintomas do descompasso entre o aumento dos empréstimos e o aumento do PIB. Desde o começo da crise das hipotecas nos Estados Unidos, os preços dos imóveis aumentaram 113,4% no Rio de Janeiro e 86,3% em São Paulo.
Consultores brasileiros contestaram a avaliação dos economistas do BIS, negando o risco de uma bolha imobiliária no País. Segundo argumentam, há um enorme déficit habitacional e, portanto, uma demanda sem caráter especulativo. Além disso, o crédito imobiliário representa apenas 5% do PIB (81% nos Estados Unidos e 106% na Holanda) e há uma rígida vigilância sobre o sistema financeiro. Mas a rápida valorização dos imóveis em São Paulo e no Rio de Janeiro é incontestável e dificilmente se poderia classificá-la como normal. Além disso, a análise do BIS é mais ampla e refere-se à veloz expansão do conjunto dos empréstimos ao setor privado.
O aumento da inadimplência também já foi apontado por organizações brasileiras especializadas na avaliação das condições do crédito. Coincidentemente, mais um conjunto de informações foi divulgado ontem pela Fundação Getúlio Vargas. Na faixa de renda mensal de até R$ 2.100, 23,4% dos entrevistados declararam ter mais de 51% de seus ganhos comprometidos com pagamentos de gastos com cheques pré-datados, cartões de crédito, carnês de lojas e outros tipos de financiamentos. Na faixa imediatamente superior, até R$ 4.800, o comprometimento de mais de 51% da renda mensal afeta 24,1% dos consumidores. O grupo menos endividado, com obrigações equivalentes a apenas 12,5% dos ganhos, é o das pessoas com renda acima de R$ 9.600.
No caso do Brasil, a advertência do BIS tem uma implicação clara: há limites um tanto estreitos para uma política de crescimento econômico baseada em grande parte na expansão do crédito e no estímulo ao mercado interno. O crédito ao setor privado ainda representa, no País, algo entre 45% e 50% do PIB. A proporção é bem maior em outras economias. Os técnicos do BIS e do Fundo Monetário Internacional sabem disso. O dado preocupante, segundo eles, é outro: é a velocidade do crescimento dos empréstimos. Além do mais, uma política de estímulo ao mercado interno dificilmente irá longe, se o governo descuidar das condições da oferta - fato comprovado pelos problemas da indústria brasileira diante da invasão dos importados.