FOLHA DE SP - 22/06
COMO EXPLICAR quadros a uma lebre morta? Foi o nome de uma "performance" famosa realizada em 1965 pelo artista alemão Joseph Beuys (1921-86). Com folhas de ouro coladas na cara lambuzada de mel, entre outras esquisitices, Beuys passeava por uma exposição com uma lebre no colo e balbuciava "explicações" no ouvido do bicho.
Como dizer a um cidadão ocupado e prestante que a economia mundial tropeça numa ribanceira porque as autoridades europeias discutem quais garantias vão exigir para emprestar a bancos espanhóis?
Como lembrar que a crise está feia quando aqui no Brasil a taxa de desemprego cai e a economia cresce cada vez menos? Essa situação bizarra não tem como durar muito tempo, decerto. Mas, por ora, seja qual for a temperatura do termômetro econômico, a sensação térmica para a maioria dos brasileiros é confortável.
Lá fora, porém, o tempo continua fechando. Uma agência de classificação de risco baixou a nota de 15 grandes bancos do mundo. Quase ninguém leva as agências a sério. Mas as notas de crédito que essas empresas dão a governos, bancos e empresas têm importância ainda.
Uma nota menor, por exemplo, reduz o valor que papéis de governos, bancos e empresas podem ter quando utilizados como garantia (créditos a receber podem ser usados como garantia para tomar empréstimos). Logo, uma nota de crédito menor reduz a capacidade de uma firma tomar dinheiro, além de encarecer o empréstimo.
Portanto, a redução da nota de crédito emperra ainda mais o sistema financeiro. A crise piora quando o crédito fica mais travado.
Por falar em garantias de crédito, esse é o assunto da hora nas discussões sobre a salvação do sistema bancário da Espanha. O governo espanhol não tem dinheiro para salvar bancos podres do país (se os bancos quebram, há um pandemônio). Quer dinheiro europeu.
A contragosto, a União Europeia e o Banco Central Europeu estão dando um jeito de colocar dinheiro na banca espanhola sem assumir muito risco e sem avacalhar de vez a praça (isto é, dar dinheiro a torto e a direito a qualquer um que esteja quase falido).
Circulavam ontem rumores de que o BCE pode começar a aceitar garantias mais mixurucas. Isto é, pode aceitar como "colateral" empréstimos que bancos espanhóis fizeram a empresas não lá muito seguras. Podem também emprestar mais dinheiro tendo como garantia títulos de governos que já não têm muito crédito.
Ou seja, estão facilitando o negócio. A partir da crise de 2008, o BC americano, o Fed, não teve pudores. Emprestou dinheiro barato, aceitou até papel de embrulho como garantia, comprou títulos podres na praça, tudo para salvar o sistema financeiro. Em grande parte, funcionou, o que evitou um desastre depressivo nos país.
A Europa e o BCE foram enrolando. Tomaram medidas extremas só quando a tensão chegou a um nível crítico, como agora, outra vez.
O destino da economia mundial nos próximos meses e anos está sendo decidido nessas negociações sobre as partes mais obscuras e intestinas do sistema financeiro, coisas que fazem tão pouco sentido como quadros para uma lebre morta ou, francamente, para pessoas normais.
Como dizer a um cidadão ocupado e prestante que a economia mundial tropeça numa ribanceira porque as autoridades europeias discutem quais garantias vão exigir para emprestar a bancos espanhóis?
Como lembrar que a crise está feia quando aqui no Brasil a taxa de desemprego cai e a economia cresce cada vez menos? Essa situação bizarra não tem como durar muito tempo, decerto. Mas, por ora, seja qual for a temperatura do termômetro econômico, a sensação térmica para a maioria dos brasileiros é confortável.
Lá fora, porém, o tempo continua fechando. Uma agência de classificação de risco baixou a nota de 15 grandes bancos do mundo. Quase ninguém leva as agências a sério. Mas as notas de crédito que essas empresas dão a governos, bancos e empresas têm importância ainda.
Uma nota menor, por exemplo, reduz o valor que papéis de governos, bancos e empresas podem ter quando utilizados como garantia (créditos a receber podem ser usados como garantia para tomar empréstimos). Logo, uma nota de crédito menor reduz a capacidade de uma firma tomar dinheiro, além de encarecer o empréstimo.
Portanto, a redução da nota de crédito emperra ainda mais o sistema financeiro. A crise piora quando o crédito fica mais travado.
Por falar em garantias de crédito, esse é o assunto da hora nas discussões sobre a salvação do sistema bancário da Espanha. O governo espanhol não tem dinheiro para salvar bancos podres do país (se os bancos quebram, há um pandemônio). Quer dinheiro europeu.
A contragosto, a União Europeia e o Banco Central Europeu estão dando um jeito de colocar dinheiro na banca espanhola sem assumir muito risco e sem avacalhar de vez a praça (isto é, dar dinheiro a torto e a direito a qualquer um que esteja quase falido).
Circulavam ontem rumores de que o BCE pode começar a aceitar garantias mais mixurucas. Isto é, pode aceitar como "colateral" empréstimos que bancos espanhóis fizeram a empresas não lá muito seguras. Podem também emprestar mais dinheiro tendo como garantia títulos de governos que já não têm muito crédito.
Ou seja, estão facilitando o negócio. A partir da crise de 2008, o BC americano, o Fed, não teve pudores. Emprestou dinheiro barato, aceitou até papel de embrulho como garantia, comprou títulos podres na praça, tudo para salvar o sistema financeiro. Em grande parte, funcionou, o que evitou um desastre depressivo nos país.
A Europa e o BCE foram enrolando. Tomaram medidas extremas só quando a tensão chegou a um nível crítico, como agora, outra vez.
O destino da economia mundial nos próximos meses e anos está sendo decidido nessas negociações sobre as partes mais obscuras e intestinas do sistema financeiro, coisas que fazem tão pouco sentido como quadros para uma lebre morta ou, francamente, para pessoas normais.