O Estado de S. Paulo - 27/06/2012 |
Creio que estamos ingressando na fase de exaustão de um modelo político que foi implantado pelos governos do PT, a partir de 2003. Este modelo, na medida em que logrou a reeleição de Lula e a eleição de Dilma, conquistou uma permanência no poder que se constituiu num ciclo político. Não é incomum que governantes, na fase ascensional da conquista do poder e na sua fase de estabilidade, se aferrem a uma ilusória convicção da perenidade daquela condição. Situação e oposição no Brasil estão contaminadas por esse sentimento, que determina grande parte de suas ações. Porém nada é permanente na política. Ciclos políticos têm começo, desenvolvimento e fim. Os sinais que indicam o sucesso de um novo modelo são fáceis de perceber: crescente apoio político, capacidade decisória, popularidade de seus líderes. Já os sinais da exaustão do modelo político são bem mais difíceis de perceber. É preciso garimpá-los entre os fugidios fatos da conjuntura. Os sinais evidentes da exaustão de um modelo político não são muito diferentes daqueles que se manifestam num organismo vivo. A exaustão de um sistema (social ou orgânico) se verifica quando ele passa a exigir quantidades adicionais de esforços e recursos para manter as mesmas condições de existência que antes podia sustentar com menos esforços e recursos. Exaustão de um regime político significa, pois, o esgotamento dos seus métodos, praxis e a prioris para enfrentar desafios que em grande medida se originaram de consequências não intencionadas de suas próprias escolhas. Esse argumento se fortalece quando considera-se que a crescente incapacidade para realizar os objetivos buscados resulta de um tipo de insucesso que se deve ao excesso de poder, e não à falta de poder, como é costumeiro acontecer. Os governos Lula e Dilma navegaram e navegam índices muito altos de aprovação, folgada maioria no Congresso, sempre dispuseram de recursos orçamentários abundantes, grande simpatia internacional, beneficiaram-se de confortável estabilidade econômica e de vultosos investimentos externos. À oposição, que não dispõe de nenhum desses recursos, não pode, pois, ser imputada a responsabilidade para impedir ou dificultar a ação do governo. É preciso, então, buscar dentro do aparato de governo as causas e razões para os impasses causados por suas próprias decisões. É dessa contradição que decorre o uso crescente de mais recursos para produzir menos, o sinal mais evidente da exaustão. O modelo vigente desde 2003 tem no Estado a sua âncora política e econômica diante do mercado; o seu recurso estratégico único para empregar a militância e compor maioria legislativa; para a cooptação de empresários fornecedores do setor público; para influir sobre os meios de comunicação; e para a reprodução eleitoral do seu poder político. O Estado, então, é a força e a fraqueza do modelo. A força dispensa demonstração. A fraqueza escondida se revela quando é franqueado o limite a partir do qual o uso dos poderes do Estado perde sua funcionalidade e a razão para legitimar sua hegemonia diante da sociedade. Acredito que já estejamos dentro desse limite. São indicadores dessa situação a reduzida capacidade resolutiva do governo para realizar os projetos que anuncia; a "perversa" dinâmica em que os maiores problemas de hoje resultam dos projetos de alta popularidade de ontem; o fato de que os segmentos sociais recém-beneficiados com novas pautas de consumo são frustrados pelas deficiências de infraestrutura, serviços básicos de saúde e educação; e a persistência da violência, criminalidade e impunidade em altos níveis. São os novos motoristas prejudicados no uso do carro por engarrafamentos, estradas precárias e perigosas e falta de estacionamentos; os novos alunos para universidades sem condições físicas de recebê-los; o parque industrial moderno sem a mão de obra qualificada de que depende; e o novo Estado crescentemente paralisado por critérios político-partidários de recrutamento e promoção e pelo desprezo por critérios de mérito e desempenho. Nada mais emblemático dessa condição de corrida rumo à exaustão do que a própria incapacidade de gastar. Matéria recentemente publicada mostrou que três Ministérios principais responsáveis por obras de infraestrutura - Transportes, Integração e Cidades - só investiram 14,9% do Orçamento (R$ 33 bilhões) até maio de 2012. O recurso existe, está no Orçamento, a decisão de usá-lo já foi tomada, a licitação já foi adjudicada, as obras já foram cronogramadas, mas os resultados não aparecem, as inaugurações não ocorrem. Para substituí-las, o governo anuncia novas decisões, novos programas e novos benefícios. Intenções substituem realizações. A causa dessa situação de esgotamento é a forma de operação do modelo político vigente. Tais distorções resultam de alguns pressupostos operacionais que, no curto prazo, produzem resultados, mas no médio prazo provocam contradições internas que o incapacitam. Esses pressupostos talvez sejam: a convicção de que os poderes estatais são os instrumentos mais eficientes para organizar todos os setores da vida social; o imperativo da centralização administrativa do planejamento, decisão e execução; e o suposto da abundância de recursos para sustentar a política do sim e o critério partidário para funções administrativas. O preço a pagar por essas escolhas são uma crescente incapacidade administrativa; a escalada da incompetência e da corrupção; e a falta de resolutividade nas ações de governo. Tais limitações, a princípio, não são percebidas pela população, mas, quando provocarem "externalidades" na vida das pessoas comuns, abalarão a confiança e o apoio irrestrito ao governo, a solidez do modelo e, no limite, a continuidade do ciclo que inaugurara. Essa não é uma situação que se escolha ou se evite. Ela é uma decorrência inafastável e incorrigível de um modelo político que tem na hegemonia do Estado sobre a sociedade seu objetivo, sua fonte de recursos, seu método de ação e sua instrumentalidade. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, junho 27, 2012
A exaustão do 'Estado dependente' de governo Francisco Ferraz
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