Valor Econômico - 14/06/2012 |
Está claro, agora, que a principal causa da crise do euro está no fato de os Estados membros terem delegado seu direito de imprimir dinheiro ao Banco Central Europeu (BCE). Tanto eles quanto as autoridades europeias não entenderam exatamente o que essa renúncia implicava. Quando o euro foi adotado, as autoridades regulamentadoras permitiram que os bancos comprassem quantidades ilimitadas de títulos do governo, sem provisionar nenhuma reserva de capital próprio, e o BCE descontava todos os títulos de governos da zona do euro em igualdade de condições. Os bancos comerciais perceberam ser vantajoso acumular títulos dos países mais fracos para faturar alguns pontos base a mais, o que resultou uma convergência das taxas de juro em toda a zona do euro. A Alemanha, enfrentando o ônus da reunificação, empreendeu reformas estruturais e tornou-se mais competitiva. Outros países desfrutaram crescimento habitacional e de consumo em cima de crédito barato, o que os tornou menos competitivos. Então veio o colapso de 2008. Os governos tiveram de socorrer seus bancos. Alguns deles viram-se na posição de um país em desenvolvimento altamente endividado numa moeda que não controlava. Refletindo a divergência de desempenho econômico, a Europa dividiu-se em países credores e devedores. Salvo um acidente como o da falência do Lehman Brothers, a Alemanha fará o suficiente para manter a integridade do euro, mas a UE se transformará em algo muito diferente da sociedade aberta que entusiasmou a imaginação das pessoas. Quando os mercados financeiros descobriram que títulos governamentais supostamente sem risco poderiam não ser honrados, elevaram os prêmios de risco. Isso deixou potencialmente insolventes os bancos comerciais, cujos balanços estavam carregados desses títulos, dando origem à crise gêmea de dívida soberana e bancária europeias. A zona do euro está agora repetindo a maneira como o sistema financeiro mundial lidou com essas crises em 1982 e em 1997. Nos dois casos, as autoridades internacionais infligiram dificuldades à periferia para proteger o centro; agora, a Alemanha está, inadvertidamente, desempenhando o mesmo papel. Os detalhes são distintos, mas a ideia é a mesma: os credores estão colocando todo o ônus do ajuste nos ombros dos devedores, enquanto o "centro" evita a sua própria responsabilidade na criação dos desequilíbrios. Curiosamente, os termos "centro" e "periferia" passaram a ser usados quase despercebidamente. Na crise do euro, porém, a responsabilidade do centro é ainda maior do que foi em 1982 ou em 1997: o centro concebeu um sistema monetário imperfeito e não conseguiu corrigir os defeitos. Na década de 1980, a América Latina sofreu uma década perdida, um destino semelhante aguarda agora a Europa. No início da crise, uma ruptura do euro era inconcebível: os ativos e passivos denominados em uma moeda comum estavam tão interligados que um rompimento teria levado a um colapso incontrolável. Mas, como a evolução da crise, o sistema financeiro tornou-se cada vez mais reordenado segundo as fronteiras nacionais. Essa tendência ganhou impulso nos últimos meses. A operação de refinanciamento de longo prazo promovida pelo Banco Central Europeu permitiu que os bancos espanhóis e italianos comprassem títulos de seus próprios países e faturassem um grande spread. Simultaneamente, os bancos deram preferência a desfazer-se de ativos externos a suas fronteiras nacionais e os gestores de risco tentaram casar ativos e passivos em seu mercado doméstico, em vez de operar na zona do euro como um todo. Se isso continuasse por alguns anos, uma desagregação do euro seria possível sem um colapso, mas deixaria os países credores com grandes créditos contra países devedores que seriam difíceis de cobrar. Além das transferências e garantias intergovernamentais, os créditos do Bundesbank contra os bancos centrais dos países periféricos no sistema de compensação Target2 totalizaram €644 bilhões (US$ 804 bilhões) em 30 de abril, e o montante está crescendo exponencialmente, devido à fuga de capitais. Assim, a crise continua crescendo. As tensões nos mercados financeiros atingiram novos máximos. O fato mais revelador é que o Reino Unido, que manteve o controle de sua moeda, paga os mais baixos juros em sua história, enquanto o prêmio de risco sobre títulos espanhóis bateu um novo recorde. A economia real da zona do euro está em declínio, enquanto a da Alemanha está em grande crescimento. Isso significa que a divergência está se ampliando. As dinâmicas políticas e sociais também estão trabalhando no sentido de uma desintegração. A opinião pública, expressa em resultados eleitorais recentes, está cada vez mais oposta à austeridade, e essa tendência deverá continuar até que a política seja invertida. Alguém vai ter de ceder. Minhas análises sugerem que as autoridades têm uma janela de três meses durante a qual ainda poderiam corrigir seus erros e inverter as atuais tendências. A zona do euro necessita uma união bancária: um esquema pan-europeu de seguro sobre depósito para conter fugas de capital, uma fonte europeia para financiar a recapitalização dos bancos, e regulamentação e supervisão em nível de toda a zona do euro. Os países altamente endividados necessitam alívio em seus custos de financiamento. Existem várias maneiras para proporcioná-lo, mas todas necessitam ativo apoio da Alemanha. Aí reside o obstáculo por ora intransponível. As autoridades alemãs estão trabalhando febrilmente para chegar a um conjunto de propostas a tempo da cúpula da União Europeia no fim de junho, mas todos os sinais sugerem que os alemães oferecerão apenas o mínimo com que as diversas partes podem acordar - o que implica, mais uma vez, um alívio apenas temporário. Mas estamos em um ponto de inflexão. A crise grega poderá chegar a um clímax em torno de setembro, mesmo que a eleição produza um governo disposto a cumprir os atuais contratos da Grécia com seus credores. Salvo um acidente como o da falência do Lehman Brothers, a Alemanha provavelmente fará o suficiente para manter a integridade do euro, mas a UE se transformará em algo muito diferente da sociedade aberta que entusiasmou a imaginação das pessoas. A divisão entre países devedores e credores se tornará permanente, a Alemanha passará a predominar e a periferia se tornará um interior deprimido. Inevitavelmente, isso levantará suspeitas sobre o papel da Alemanha na Europa - mas qualquer comparação com o passado alemão é bastante inadequado. É evidente o que é necessário: uma autoridade fiscal europeia capaz e disposta a reduzir o ônus da dívida da periferia, assim como uma união bancária. O alívio da dívida poderia assumir várias formas distintas de eurobônus, e seriam condicionadas ao respeito, pelos devedores, do pacto fiscal. Cancelar - no todo ou em parte - o alívio em caso de descumprimento do pactuado seria uma poderosa proteção contra o risco moral. Cabe à Alemanha cumprir as responsabilidades de liderança que lhes foram impostas por seu próprio sucesso. (Tradução de Sergio Blum). |
Entrevista:O Estado inteligente
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