O Estado de S. Paulo - 06/06/2012 |
As necessidades da saúde da população brasileira, segundo a Constituição de 1988, devem ser cobertas integralmente. Mas como se define cobertura integral? A sociedade, incluindo o Ministério da Saúde, vem discutindo há tempos o conceito de integralidade sem chegar a uma conclusão. Atualmente o rol de procedimentos financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é maior do que a lista da saúde suplementar, mas inferior ao que consta na tabela da Associação Médica Brasileira.
A garantia constitucional da integralidade faz com que a população bem informada e com capacidade de pagar a advogados possa reivindicar os procedimentos, exames, tratamentos ou terapias que o setor público ou os planos de saúde não incluem em suas listas. No entanto, quanto mais entramos no rol dos procedimentos de alta tecnologia e das inovações medicamentosas não cobertas por essas listas, maiores serão os custos para atender a todos. E se o cobertor do financiamento é curto, acabamos deixando de fora os que estão em baixo para cobrir os que estão em cima na pirâmide social.
Os países desenvolvidos procuram usar prioridades em saúde como forma de limitar os gastos, dado que os recursos são escassos. Mas a Constituição brasileira de 1988 não fala em prioridades, e sim em cobertura integral e igualitária. E até conseguirmos sair desse imbróglio o tempo passa, o gasto com saúde aumenta e os mais pobres ficam com uma cobertura menor e de pior qualidade.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde para 2008, o Brasil era o quarto país com maior participação do gasto em saúde no produto interno bruto (PIB) na América Latina e no Caribe (8,4%), superado por Cuba, Nicarágua e Costa Rica. Mas em termos absolutos a realidade é um pouco diferente. Com US$ 875 anuais per capita, nosso país era o 10.º no ranking do gasto em saúde da região. Países com renda per capita maior, como Argentina, Chile, Uruguai, Costa Rica, Barbados, Bahamas e Trinidad e Tobago, tinham mais para gastar nessa área. No entanto, gastávamos mais que México, Colômbia e Venezuela.
Entre os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), somos o país com maiores gastos em saúde como porcentagem do PIB. Mas no que se refere ao gasto per capita, ocupava a terceira posição. Nosso gasto nesse item em 2008 equivalia a 48% do da África do Sul e 89% do da Rússia, mas a renda per capita desses dois países era pelo menos o dobro da brasileira. Uma comparação entre 193 países mostra que, dado o seu nível de renda, o Brasil tem um gasto em saúde por habitante acima da média mundial. Portanto, se o financiamento da saúde fosse organizado sob princípios de gestão eficiente e equidade, não estaríamos mal na foto.
Mas quando se analisa o gasto público nessa área, a situação é diferente. Países de renda média alta (grupo em que o Brasil se insere) gastavam 57% dos seus recursos em saúde no setor público em 2008. O Brasil, só 44%, ficando entre a média dos países de renda baixa e de renda média baixa. No contexto latino-americano, nosso país é um dos que têm a menor participação do gasto público em saúde, sendo equivalente ao do Chile e ficando somente à frente de Peru, Equador, El Salvador, Guiana e Honduras. Mas considerando o gasto público per capita no setor, o Brasil, com US$ 386 anuais, encontrava-se numa posição intermediária, estando abaixo de Argentina, Cuba, Uruguai, Chile, Costa Rica, Colômbia e México.
Gastar mais em saúde ou decidir sobre sua distribuição entre os setores público e privado é uma opção da sociedade. O Brasil gasta acima da média dos países da América Latina e do Caribe, mas a participação do gasto público sobre o gasto total está abaixo da verificada nesse mesmo conjunto de países. O País tem alta participação do gasto direto das famílias no total do gasto em saúde (cerca de 28% em 2009). Aumentar o gasto público em saúde, de forma eficiente e equitativa, poderia levar à redução do gasto direto das famílias na mesma rubrica, o que é positivo para aliviar a pobreza e melhorar a equidade.
Atualmente existe uma progressiva convergência quanto à necessidade de aumentar o gasto público em saúde no Brasil. Mas isso envolve dois desafios. Primeiro, usar de forma mais eficiente e equitativa os recursos públicos a ela destinados para melhorar a cobertura e a qualidade do acesso, beneficiando os mais pobres e excluídos. Segundo, aumentar tais gastos públicos sem que se demandem mais recursos, financiados por novos impostos ou endividamento do governo. É necessário definir prioridades no uso do orçamento público. Para tal o Executivo e o Legislativo deveriam abandonar suas agendas pessoais ou corporativas e se associar ao compromisso republicano pelo debate de ideias, interesses e prioridades para melhorar a saúde da população brasileira. Estaríamos maduros, como nação, para enfrentar esses dois desafios?