Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 17, 2012

A noite estrelada - FERREIRA GULLAR



Diante da tela em branco, tudo é possível e, por isso, nada é possível, a menos que se atreva a começá-la


Quando, em 1890, Vincent van Gogh (1853-1890) se dispôs a pintar uma noite estrelada e se pôs diante da tela em branco, nada ali indicava por onde começar. Mas acordara, naquele dia, decidido a inventar uma noite delirantemente estrelada, como imaginava frequentemente e não se atrevia a fazê-lo não se sabe se por temer errar a mão e pôr a perder o sonho ou se porque preferia guardá-lo como uma possibilidade encantadora, uma esperança que o mantinha vivo.

Aliás, já tentara antes expressar na tela seu fascínio pelo céu constelado. Um ano antes, pintara duas telas em que fixava a beleza do céu noturno -uma dessas telas mostra a entrada de um café com mesas na calçada e, ao fundo, no alto, o céu negro ponteado de estrelas; a outra tela é uma paisagem campestre sob as estrelas. Mas eram como ensaios, tentativas de aproximação do tema que continuava a exigir dele a expressão plena, ou melhor, extrema, como era próprio de sua personalidade passional.

Para alguns, possivelmente, a mesma personalidade que o impelira, dez anos antes, numa noite de Natal, a decepar a própria orelha e levá-la de presente a uma prostituta do prostíbulo que costumava frequentar. Por que fez isso, não há uma explicação plausível, embora haja muitas, desde a de sentir-se abandonado pelo irmão Theo, que preferia passar aquela noite de Natal com a noiva, até a de punir-se pelo ódio que alimentava contra sua mãe. Mas num ponto todos parecem concordar: só um louco seria capaz de mutilar-se daquela maneira.

Pode ser, mas Vincent van Gogh era uma personalidade difícil de explicar. Tenho dúvida quanto ao diagnóstico que o dá como louco. Sabem por quê? É que as pinturas feitas por artistas ditos loucos -como, por exemplo, Emygdio de Barros ou Fernando Diniz- mostram uma carga de subjetividade, uma estranheza (para não dizer anormalidade) que os quadros de Van Gogh não têm.

Pelo contrário, afora a sua primeira fase, marcada por uma espécie de realismo soturno, as demais, que dariam origem décadas mais tarde ao expressionismo, são de uma limpidez cromática incomparável. Refletem lucidez saudável, e não doença mental. A verdade, porém, é que, segundo consta, certo dia ele quase se envenenou ao espremer bisnagas de tinta dentro da boca. E, no final das contas, deu um tiro no peito e acabou com a vida.

Concordo. Muito bom da cabeça ele não era, mas um pintor genial ele foi, sem dúvida. E uma de suas obras-primas é, certamente, aquela "Noite Estrelada" de 1889.

Imagino o momento em que se dispôs a pintá-la: tem diante de si a tela em branco e pode ser que esteja ao ar livre em plena noite, com velas acesas presas ao chapéu. Mas a noite real é pouca. A noite que deseja pintar é outra, mais bela e mais feérica que a real. Por isso, a tela em branco à sua frente é um abismo. Um abismo de possibilidades infinitas, já que a noite que deseja pintar não existe, mas deveria existir, pois o seu sonho a deseja.

Como começar a pintá-la, se ela não existe? Diante da tela em branco, tudo é possível e, por isso mesmo, nada é possível, a menos que se atreva a começá-la. E assim, num impulso, lança a primeira pincelada que, embora imprevista, reduz a probabilidade infinita do vazio e dá começo à obra -ou seja, transforma o acaso em necessidade.

E assim foi que a sucessão de pinceladas, de linhas e cores, aos poucos definiu uma paisagem noturna que era mais céu que terra: um pinheiro que liga o chão ao céu e, lá adiante, a pequena vila sobre a qual uma avassaladora tormenta cósmica se estende, como se assistíssemos ao nascer do Universo.

POSTOS DE GASOLINA

O governador Sérgio Cabral, que muito tem acertado, erra ao decidir fechar os postos de gasolina da avenida Atlântica. Eles são de grande utilidade aos moradores e à população em geral e em nada interferem na beleza da avenida, que tem quase quatro quilômetros de comprimento. Sem eles, restarão às pessoas que ali abastecem seus veículos apenas dois postos, um em cada extremo do bairro: o da rua Francisco Otaviano e o da praça Cardeal Arco Verde. Este, por ser pequeno, provocará engarrafamentos na entrada da rua Tonelero, principal acesso à lagoa Rodrigo de Freitas. É uma decisão que não traz benefício a ninguém, só prejuízos.

Arquivo do blog