Entrevista:O Estado inteligente
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sábado, setembro 03, 2011
Transição MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 03/09/11
Na segunda-feira dia 15 de setembro de 2008, quando ficou explicitada nos Estados Unidos a falência do banco Lehman Brothers, desencadeando a maior crise financeira desde o crash da Bolsa de 1929, o então presidente Lula se reuniu na sede do Banco do Brasil com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente do Banco do Brasil, Lima Neto, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e dois economistas de sua confiança: Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo.
Naquela reunião, segundo relato de Delfim e Belluzzo à "Carta Capital" de 23 de agosto, ficou decidido que os juros deveriam ser reduzidos para fazer frente à crise.
A redução, no entanto, não se concretizou porque, na opinião de Delfim, Meirelles "não se sentia seguro para fazer o que deveria ser feito", incomodado que estava pelo fato de os economistas que fizeram o Proer no governo Fernando Henrique - programa de reorganização e saneamento dos bancos privados, demonizado pelo PT na ocasião e apontado depois pelo presidente Lula como exemplo para a crise de 2008 - estarem todos com seus bens bloqueados, respondendo a processos.
Fora o fato de que uma decisão dessa magnitude foi tomada em uma reunião da qual participaram dois economistas que não faziam parte formalmente do governo, fica o registro de que o então presidente Henrique Meirelles sentiu-se forte o suficiente para não seguir a orientação expressa do Presidente da República e não caiu.
Não se sabe se houve reunião semelhante agora, entre a presidente Dilma, o ministro Mantega, e o presidente do Banco Central Alexandre Tombini, mas é certo que as pressões pela queda dos juros foram mais explícitas do que nunca.
No entanto, é enganosa a ideia de que a permanência no cargo de Meirelles fortalece a tese de que o ex-presidente Lula acreditava mais na autonomia do Banco Central do que, por exemplo, sua sucessora Dilma Rousseff ou até mesmo que o ex-governador José Serra, que apoiou a decisão do Banco Central de reduzir os juros e disse que não via nada demais na postura do governo.
Sabe-se que Lula tentou colocar o mesmo Belluzzo no lugar de Meirelles meses depois, mas acabou recuando da decisão por temer a reação do mercado.
Mesmo no caso do Banco Central dos Estados Unidos (Fed), cujo presidente tem um mandato fixo, a independência em relação à política governamental não é tão grande assim.
Na biografia de Alan Greenspan, "Maestro", ex-presidente do Fed, está relatado que o então presidente George Bush pai sempre que precisava chamava à Casa Branca o presidente do BC, Paul Volcker, e, sem pedir explicitamente, defendia a necessidade da queda dos juros por que a economia estava desaquecendo. E sempre era atendido.
Nessa conversa com Delfim, por sinal, Belluzzo diz que é questionável a forma como é exercida a independência do Banco Central no Brasil, lembrando que Delfim vive dizendo que é preciso "estatizar o BC", ao que Delfim reage rindo. "Acho que está em processo agora".
O fato é que a decisão do Banco Central de reduzir juros deixou novamente a oposição sem bandeira. Se vai dar certo ou não, veremos mais adiante, mas fica difícil para a oposição ser contra o corte de juros.
Mesmo que a decisão seja arriscada, ou venha a se revelar errada no longo prazo, no momento ela tem um efeito político positivo. Era o que todo mundo reclamava.
Mesmo os argumentos que parte da oposição que é contrária à medida possa ter são muito técnicos, e eventualmente, se mais adiante ficar provado que a decisão estava errada, os efeitos políticos imediatos já estão contabilizados a favor do governo.
A presidente Dilma busca um caminho para se afirmar, e nessa busca recua e avança à medida que as circunstâncias e suas forças políticas permitem avanços ou exigem recuos.
O PT agora mesmo, no seu IV Congresso que se realiza em Brasília, vai criticar a faxina contra a corrupção e voltar a velhas teses que já estavam arquivadas pela própria Dilma, de controle social dos meios de comunicação.
Uma postura contrária ao que a presidente Dilma pensa, explicitada pelo engavetamento do projeto do ex-ministro Franklin Martins pelo atual ministro das Comunicações Paulo Bernardo.
A retomada da proposta tem sua origem na reportagem de capa da revista "Veja" sobre o ex-ministro José Dirceu, que, se sentindo perseguido, trabalhou politicamente dentro do PT para que o partido assumisse novamente essa bandeira.
Trata-se de um governo que está tentando encontrar seu caminho, o mais das vezes de maneira atabalhoada, às vezes sem apoio de sua própria base como no caso da faxina, ocasião em que teve o apoio de parte importante da oposição, representada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Dessa vez, na decisão dos juros, o governo teve o apoio de outra parte do PSDB, representado pelo ex-governador José Serra, que por sua vez não apoiava a faxina, identificando-a como uma manobra marqueteira.
O fato é que a política brasileira está muito confusa neste momento, em que ninguém é de ninguém, ninguém tem compromissos.
Não há nada claro: quem é quem, quem está apoiando quem, a base é leal em que circunstâncias, a oposição é a que e a quem.
Não há nada definido, mais porque as coisas estão sendo tocadas de maneira muito sem planejamento, obedecendo às circunstâncias. Nem governo nem oposição têm posições fixas.
Pode ser um indicativo de que a velha dicotomia entre PT e PSDB, embora ainda interesse a determinados grupos dos dois lados, está dando sinais de fadiga, e de que estamos caminhando para novos arranjos na esfera político-partidária.
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