Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 10, 2011

Roteiro velho MIRIAM LEITÃO


MIRIAM LEITÃO - Roteiro velho


O GLOBO - 10/09/11

Na Venezuela, desde o começo do governo Chávez até junho, a inflação acumulada foi de 1.116,3%. A taxa média anual foi de 22% mas está em 30%. Alguns produtos, com preços controlados desde 2003, estão sumidos. A inflação tem erodido o poder de compra dos venezuelanos. O país parece prisioneiro de um roteiro velho que a região viveu décadas atrás.

Todos os países da região aprenderam a lição dos anos 80/90, menos a Venezuela e, mais recentemente, a Argentina. O governo Kirchner fez o que não se pode fazer: manipular índices. Os institutos privados são multados caso divulguem seus dados. Na Venezuela, o governo Chávez decidiu filmar roteiro velho, e que foi fracasso de bilheteria. É difícil encontrar carne e óleo de soja. Só no mercado paralelo e com ágio. Isso soa familiar? É Chávez arruinando a Venezuela.

Pedro Palma, economista venezuelano, fez a nosso pedido o cálculo que abre a coluna. Ele lembra que até meados dos anos 1970 a inflação era uma das mais baixas do mundo. Depois, houve duas maxidesvalorizações do bolívar, em 1989 e 1996, que elevaram a taxa. Chávez assumiu em dezembro de 1998 e não só não resolveu como tem agravado o problema através de medidas como a recém aprovada Lei de Custos e Preços Justos de congelamento de preço. "A solução para a inflação é conhecida. A receita é disciplina fiscal, monetária e estímulo à produção privada. Quantas nações não sofreram, décadas atrás, com a hiperinflação e hoje têm menos de 10%? É preciso dar um giro de 180 graus na política econômica", diz.

Valéria Maniero, do blog, conversou também com duas donas de casa venezuelanas que vivem as mesmas agruras já vividas no Brasil. Vanessa Brito, 30 anos, mãe de Violeta, de oito meses, conta que é comum ter de ir a mais de um supermercado para encontrar o que precisa. O que é difícil achar: açúcar, café, leite, óleo de cozinha, carne, leite em pó, queijo branco. Conta que já teve dificuldade de achar papel higiênico e absorventes. Diz que não entende de economia, mas acha estranho que os buhoneros, o comércio ilegal, sempre têm o que está em falta no supermercado, mas, claro, por um preço maior.

Ela diz que aprova várias medidas de Chávez, como a inclusão de pessoas portadoras de deficiências, mas suspeita que a direção da economia está errada. Ilda de Montefusco, 77 anos, aposentada, está certa de que Chávez está errado. "Compro hoje por um preço, amanhã, por outro."

Curioso é que em 2003 eu mesma presenciei sinais de desabastecimento e comércio ilegal até dentro do Palácio Miraflores. Na época, o país estava em greve geral. Hoje se vê que o anormal passou a ser a rotina.

A jornalista Katiusha Hernánndez, repórter de economia do El Nacional , conta que o índice de escassez na Venezuela é de 12%. Há produtos cuja venda é racionada. O preço da carne bovina foi congelado pelo governo em 22 bolívares (US$ 5,11), mas só é possível comprar o produto por algo entre 38 bolívares (US$ 8,83) e 50 bolívares (US$ 11, 62).

O economista Luis Vicente León, presidente da Datanálises, diz que a inflação é problema antigo no país, mas se agravou no período mais recente. "Em mais de oito anos, a estratégia tem sido de controle de preços e o único resultado foi mais inflação e menos produtos." A lei do congelamento entrou em vigor em 18 de julho e sua aplicação completa será em três meses de sua publicação. Nesse período, o governo tem chamado os setores e, em alguns casos, aprovado grandes aumentos de preços. O arroz subiu 26%; a farinha, 20%.

Há outra distorção na economia, bem conhecida dos brasileiros, que é o controle do câmbio: cada venezuelano tem um limite de dólares que pode gastar no exterior durante suas viagens, dependendo da duração e do lugar. O máximo que um venezuelano pode gastar no exterior em um ano é US$ 3.000. Normal Gall, americano nacionalizado brasileiro, diretor do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, é autor de estudos com críticas ácidas a Chávez. Acha que tudo o que escreveu anos atrás continua válido, porque a cena não se alterou. "Chávez pode escrever um manual de como destruir um país. O recente controle de preços não vai funcionar. O produto some e só aparece no comércio ilegal. Quem tem dinheiro compra, quem não tem fica sem o produto. A violência aumentou e não tem surgido um político que diga ao país que ele precisa ser reconstruído. O gritante é que a Venezuela tem tudo para ter uma vida de país rico."

A Venezuela tem petróleo e, durante os quase 13 anos de governo Chávez, o preço do barril saiu de US$ 10 para US$ 130. Mesmo assim, o crescimento médio do PIB no período foi de 2,55%, segundo o FMI. No ano passado, foi o único país da América do Sul que não cresceu. Isso realmente valeria um manual de como destruir todas as chances de um país.

A doença do presidente abriu o debate sobre sua sucessão. Mesmo dentro do chavismo não há sucessor à vista, até porque ele derrubou todos os que começaram a aparecer muito entre os seus correligionários. A oposição também tem seus problemas de preparar um nome capaz de enfrentar o chavismo.

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