O Globo - 07/06/2011
O governo Dilma ficou mais fraco desde o começo da crise de Antonio Palocci. O que ficou claro é que a presidente Dilma perdeu uma peça importante que não só era o melhor interlocutor para a economia, como também uma pessoa com experiência de articulação política. Aos cinco meses de vida o governo parece sem rumo, ao sabor das pressões e tutelado pelo ex-presidente.
A ideia de que a solução é ter uma Dilma da Dilma é evidentemente falta de entendimento da complexidade dos riscos a que o governo está exposto neste momento. De um lado, a capacidade gerencial da presidente na Casa Civil foi mais produto de marketing eleitoral do que comprovação dos fatos, como se vê hoje pelas várias descobertas de que, passada a maquiagem eleitoral, os projetos estão emperrados por falta de capacidade de execução dos empreendimentos. Por outro, porque até Palocci, que era mais experiente, foi encurralado pelo excesso de demandas de um voraz PMDB e pelos interesses fragmentados de uma base difícil de administrar.
O que cai por terra nessa crise é a análise superficial que sustentava, no início da administração, que Dilma seria ainda mais forte do que Lula porque tinha uma coalizão mais ampla. Contavamse números de parlamentares como se fossem comprovações de unidade. Mas cada partido do país é um aglomerado de interesses muitas vezes paroquiais. Os mais de 75% de deputados que são da base governistas vão se organizar de maneira diferente a cada votação ou dependendo do contexto das nomeações feitas por seus indicados.
O sistema político brasileiro é intrincado e exige a liderança presidencial. Os expresidentes Fernando Henrique e Lula puderam ter chefes da Casa Civil com perfil técnico, como Clóvis Carvalho e Pedro Parente ou a própria Dilma, porque tinham capacidade de negociação com as suas disformes bases políticas. Mas, no cotidiano, o governo tem que enfrentar coalizões em torno de interesses que podem derrotá-lo, como no Código Florestal, ou em torno de demandas pessoais ou de grupos, como nas nomeações para cargos.
Palocci nos últimos dias se tornou o centro de toda a discussão em torno do governo, e quando isso acontece, ao contrário do que disse na entrevista à TV Globo, a crise não é pessoal, mas do próprio governo. Ele passou de ponto forte a calcanhar de aquiles; de ministro poderoso a ponto de chantagem política. A cada aborrecimento uma parte da base reagia ameaçando convocar Palocci para depor, como forma de pressionar para o atendimento de demandas, em geral, descabidas. Uma pessoa com esse grau de fragilidade não pode comandar a Casa Civil.
Palocci não é um outro caso Erenice Guerra. A exchefe da Casa Civil do presidente Lula foi indicação direta da então candidata Dilma Rousseff, que, ao indicá-la, mostrou falta de capacidade de avaliar uma pessoa com a qual trabalhou com total proximidade. Palocci é quadro do PT. Os dois haviam se desentendido antes e ele foi conquistando espaço durante a campanha eleitoral.
Palocci tem serviços prestados ao PT, ao ex-presidente Lula e à presidente Dilma. Ele foi o primeiro a entender, no entorno do então candidato Lula em 2002, a importância de se fazer uma transmutação do discurso do "contra tudo o que está aí" para a "Carta aos brasileiros". Foi ele que lutou internamente para que a carta não fosse uma promessa vazia, mas um esforço de fato para manter a estabilidade da moeda. Se ele não tivesse sido firme — inclusive enfrentando brigas intestinas no PT — a história do governo Lula seria bem outra. O país não queria a inflação de volta e ele entendeu isso antes do grupo dos economistas do PT.
No início da campanha eleitoral de Dilma Rousseff, Palocci foi de empresa a empresa, de banco a banco, sustentando que a candidata manteria as bases da política econômica anterior. A grande desconfiança vinha do fato de que as teses que ela tinha defendido — inclusive na briga com Palocci em 2005 — mostravam tendência à ampliação do gasto público e da estatização. A partir das garantias dadas por Palocci aumentaram as contribuições à campanha da candidata.
Mas os erros de Palocci sempre são devastadores. Ainda que o Supremo Tribunal Federal o tenha excluído da ação sobre a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, as suspeitas continuaram. Até porque a ele é que interessava a informação que se buscou indevidamente naquela ação ilegal. Era de Palocci que Francenildo falava quando dizia que confirmaria até a morte a frequência na casa do lobby de Brasília. Foi o que levou à queda do ministro em 2006.
Agora, o crescimento rápido do patrimônio era um indício de algo estranho. Seu silêncio longo demais só aumentou a desconfiança em relação ao salto patrimonial. Suas explicações quando vieram nada explicaram. Qualquer pessoa com mediana informação sobre como funciona o mercado de consultoria não se convence com aquelas explicações de que no último mês de funcionamento da empresa ela faturou muito mais porque rompeu os contratos. Mal preparada e atrasada, a defesa não convenceu. E a crise é sim do governo.