ANDREI MEIRELES E MURILO RAMOS COM MARCELO ROCHA
A saga da empresa que saiu da falência, captou R$ 67 milhões em fundos de pensão de estatais e depois bancou a campanha de quatro candidatos do PT
O início A sede da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em Brasília. Em 2009, o então diretor, Agnelo Queiroz, renovou a autorização da Barenboim. Meses depois, recebeu a contribuição dela para sua campanha eleitoral
Esqueça as tradicionais doações por fora de empresas em busca de favores políticos, os inesquecíveis "recursos não contabilizados" ou, ainda, os toscos pagamentos de caixa dois em sacolas com dinheiro vivo. Nas eleições de 2010, apareceu uma nova "tecnologia" no conspurcado mundo do financiamento de campanhas políticas: o doador que tem cadastro comercial, doa oficialmente, assina recibo – mas ninguém sabe quem ele é. Nem quem recebe e – só mesmo no mal-assombrado reino da política brasileira – nem sequer quem paga. A única coisa palpável é o dinheiro que chega, limpinho, aos comitês financeiros das campanhas. É como se eles fossem doadores-fantasmas.
Só que eles acabam deixando vestígios. ÉPOCA conseguiu capturar um deles. Seu nome é M Brasil Empreendimentos, Marketing e Negócios, empresa com sede no Rio de Janeiro, registrada em nome de um motoboy e de um sargento do Corpo de Bombeiros da Bahia. Ambos moram na periferia de Salvador. Nas últimas eleições, porém, a empresa distribuiu R$ 650 mil em doações a candidatos do PT.
A M Brasil deu R$ 100 mil ao Diretório Nacional do partido, R$ 300 mil ao comitê do governador eleito de Brasília, Agnelo Queiroz, e R$ 50 mil ao deputado paulista Ricardo Berzoini, ex-presidente do PT. Receberam R$ 100 mil também outros dois importantes quadros petistas: o deputado distrital Chico Vigilante, de Brasília, e o candidato derrotado a deputado federal pelo Espírito Santo Guilherme Lacerda, ex-presidente do fundo de pensão dos empregados da Caixa Econômica Federal, o Funcef.
Há recibos e há transações bancárias. Mas ninguém se recorda dessas doações ou da M Brasil. O deputado Ricardo Berzoini diz que não conhece a empresa nem seus donos. Guilherme Lacerda não se lembra deles. Chico Vigilante não lembra. E os responsáveis pela campanha de Dilma não quiseram explicar se lembram. "O importante é que foi uma doação legal, não pedi e não sei quem fez. Essa situação só vai mudar quando for aprovado o financiamento público de campanha", afirma Vigilante.
O motoboy e o sargento também não confirmam se lembram ou não. ÉPOCA descobriu que quem assina as contribuições em nome da empresa é outro sócio: o radialista Jair Marchesini, um apresentador de televisão com atuação política no Rio de Janeiro. Em 2006, ele concorreu pelo PDT a um mandato de deputado federal, mas não se elegeu. Marchesini foi responsável pelo recrutamento do bombeiro e do motoboy para a criação da M Brasil e de outras quatro empresas. Marchesini nega que eles sejam, bem, laranjas: "Não é nada disso. Eles seriam meus sócios, me ajudariam a dirigir as empresas aqui no Rio". A acreditar nas palavras de Marchesini, o motoboy e o sargento comungariam de dons sobrenaturais. E não seria o único traço fantástico na história.
Uma história de sucesso
Como uma empresa de papel captou R$ 67 milhões de fundos de pensão e irrigou campanhas leitorais do PT
Marchesini, o homem que colheu seus dois parceiros na Bahia, também é sócio do empresário carioca Pedro Barenboim, dono de uma distribuidora de medicamentos e de uma rede de farmácias no Estado. Há três anos, as empresas de Barenboim estavam perto da falência. Para contornar o problema, ele comprou, por R$ 1.000, o controle da M Brasil. Menos de um mês depois, ela fechou o primeiro de sete contratos com diferentes fundos de pensão. Pelos contratos, os fundos compraram títulos imobiliários da M Brasil. Esses contratos renderam, entre 2008 e as eleições do ano passado, R$ 67 milhões à empresa.
Aos fundos, renderam apenas prejuízo. Entre aqueles que deram dinheiro à M Brasil constam o Cibrius, dos servidores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão subordinado ao Ministério da Agricultura, e o Faceb, mantido pelos funcionários da Companhia Energética de Brasília. Em duas operações, o Cibrius despejou R$ 13 milhões na M Brasil. De acordo com o diretor superintendente do Cibrius, Fabrício Garcia, não houve interferência política na decisão de realizar os investimentos. "Atendemos a todas as exigências técnicas necessárias", diz. Até agora, o prejuízo do fundo com esse investimento é calculado em pouco mais de R$ 200 mil. "Vamos executar as garantias oferecidas pela M Brasil para recuperar nosso dinheiro", afirma Garcia.
As perdas do Faceb somam cerca de R$ 130 mil, devido a atrasos no pagamento dos rendimentos por parte da M Brasil – o Faceb investira R$ 4,4 milhões nos títulos imobiliários da empresa, adquiridos em junho de 2009. O fundo dos servidores da Terracap, a empresa estatal que administra os imóveis públicos no Distrito Federal, estima prejuízos na ordem de R$ 230 mil. Permanece duvidoso o motivo por que os sete fundos investiram nos papéis da M Brasil. E todos os responsáveis dos fundos ouvidos por ÉPOCA negam que esses investimentos tenham relação com uma possível ingerência política nos fundos.
Apesar do dinheiro recebido dos fundos de pensão por meio da M Brasil, o grupo Barenboim manteve-se endividado. Os bancos credores executaram as dívidas. Agora, os fundos tentam tomar de Barenboim os imóveis dados como garantia na venda dos títulos. ÉPOCA localizou o empresário Barenboim. Ele reconheceu estar por trás da M Brasil. Mas não explicou a barafunda envolvendo a M Brasil e as doações. Disse apenas que ajudou o PT por ter se tornado um fã do ex-presidente Lula. "Também doei para a campanha do Agnelo porque acho que ele fez um bom trabalho no governo", afirmou Barenboim.
Agnelo Queiroz foi ministro do Esporte no primeiro governo Lula e diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no segundo mandato do petista. Na Anvisa, assinou ato que beneficiou a empresa de Barenboim, contrariando regras da própria agência. Em dezembro de 2009, Agnelo renovou a autorização de funcionamento da M Brasil. No ano passado, com Agnelo fora da agência, a Anvisa indeferiu um novo pedido de renovação – há uma norma da agência que proíbe que uma mesma empresa atue como distribuidora de medicamentos e farmácia. "Vamos tentar reverter essa proibição na Justiça", afirma Jair Marchesini, o sócio de Pedro Barenboim.
Por meio de seu advogado, Luis Alcoforado, o governador Agnelo Queiroz afirmou que os atos assinados quando estava à frente da Anvisa são legais e legítimos. "É um tempo considerável para querer identificar conexão entre o ato e a doação. Ninguém sabia, em dezembro de 2009, que Agnelo seria candidato a governador", diz Alcoforado. Segundo ele, o governador também não conhece os donos da Barenboim. Barenboim afirma que não houve qualquer relação entre a medida de Agnelo quando estava na Anvisa e sua doação à campanha dele. "Nem sabia que ele foi diretor da Anvisa", disse Barenboim.
O único não petista a receber dinheiro da M Brasil foi o deputado federal Fábio Faria, do PMN do Rio Grande do Norte. É um parlamentar conhecido por flanar em festas do circuito Rio-São Paulo ao lado de estrelas da televisão, como Adriane Galisteu ou Sabrina Sato. Ele recebeu R$ 50 mil. Segundo Faria, um grupo econômico interessado em investir no Rio Grande do Norte ofereceu uma doação legal a seus arrecadadores de campanha. Ele não sabe por que o recibo foi emitido em nome da M Brasil, uma empresa que ele diz nunca ter ouvido falar. "Resolvi ajudar o Fábio porque ele é meu amigo, meu amigão", afirma Barenboim. "Não sei quem é, nunca vi esse sujeito", diz Faria.
Alguém, na certa, está vendo fantasmas.