FOLHA DE S.PAULO - 13/06/11
SÃO PAULO - Dilma Rousseff poderia ter se desincumbido de maneira mais ou menos protocolar do compromisso. A carta que endereçou a Fernando Henrique Cardoso vai muito além disso. A presidente foi efusiva no depoimento que integra a homenagem aos 80 anos do tucano (www.fhc80anos.com.br).
"Acadêmico inovador", "político habilidoso", "ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação", "presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica", "democrata". Depois de elencar essas qualidades, sem esconder que eles têm divergências, Dilma reconhece ter "admiração por sua abertura ao confronto franco e respeitoso de ideias". E termina com um "afetuoso abraço" ao "querido presidente". Imagine se alguém ficou enciumado "neste país"...
Afora o tom carinhoso, que nela não é comum, prevalece na sua fala a perspectiva histórica, e não a lógica da disputa política. Dilma dá um sentido de continuidade aos governos de FHC e Lula, além de estabelecer uma identidade de fundo entre a militante e o intelectual que combateram a ditadura.
É curioso que Dilma faça o gesto que Lula, enquanto presidente, jamais foi capaz de fazer. Pelo contrário, seu governo deu livre curso à narrativa da "herança maldita". Entre outras coisas, porque Lula tinha a necessidade, mais pessoal do que só política, de derrotar FHC em todas as frentes para se apresentar como marco zero de uma nova era.
É mais irônico, no entanto, que Dilma tenha feito o reconhecimento histórico que o próprio PSDB não soube ou não quis fazer ao longo dos últimos dez anos. Em três campanhas presidenciais -2002, 2006, 2010-, o legado do ex-presidente foi posto de lado por Serra e Alckmin, distintos em quase tudo.
A forma de Dilma se relacionar com o passado e com seus principais adversários políticos é diferente da que herdou do seu antecessor. Mais sóbria e menos autoindulgente. Parece melhor assim.