República do salto alto, da saia justa, do gineceu. Bobagem! Homem ou mulher, quem comanda precisa é ser competente e honesto
RUTH DE AQUINO
O foco malicioso na calcinha branca de Gleisi foi o clímax de uma semana de besteirol político. O frenesi pró e contra as mulheres no poder empobreceu o debate de ideias do regoverno Dilma. Nunca li tanta bobagem sobre a decisão de um(a) presidente. República da Luluzinha. Do salto alto. Da saia justa. No Planalto do gineceu, agora, só se contrata quem usa saia. Dilma voltou a usar terninho. Gleisi é normalista com nariz arrebitado. Ideli gosta de cantar e ama sargento triatleta 12 anos mais novo. São duras, mas são mães.
Elas gostam de mandar (é mesmo?). São tratores (é ruim?). Briguentas mas doces. E por aí vai. Gastou-se o verbo para analisar algo que não é substantivo. Não tem a menor importância se quem comanda é homem ou mulher. Precisa ser competente e honesto. Duas qualidades raras em Brasília. Qualquer que seja o sexo.
Uma jornalista escreveu que, "como mulher", se orgulha de ver três mulheres no poder – mas desconfia que não vai dar certo porque nenhuma delas tem experiência. Elas não passam de "umas coadjuvantes". Normal, não? Nos jornais diários e nas empresas, mulheres costumam ser coadjuvantes.
Os homens fizeram gozações de botequim sobre o triunvirato feminino. E pontificaram: o matriarcado é alto risco. Como se o patriarcado tivesse resolvido nossas mazelas de corrupção e falta de compromisso com o bem público e o futuro do país.
Abomino cotas sexuais ou raciais. Não acredito que Dilma tenha chamado Gleisi e Ideli por serem mulheres. Lula não chamou Zé Dirceu, Gushiken e Palocci por serem homens. Foram atrás de confiança. Torpedeada, Dilma nomeou fiéis escudeiras. Lula também, mas precisou se livrar dos amigões do peito. Dilma, antes mesmo de assumir, abriu mão de Erenice. Todos os companheiros foram derrubados por acusações de desvio de verba pública e abuso de poder.
Não consigo engolir Ideli. Exatamente por representar a política de sempre no Brasil, o fisiologismo que é coisa nossa no Congresso. Não confio em Ideli por ter defendido Renan Calheiros e Sarney. Por prometer cargos e fundos para aplacar a oposição (o PT e o PMDB). O fato de ser vaidosa não influencia em nada meu julgamento. É mau sinal que a própria Ideli, acusada de arrogante, caia na esparrela de prometer "uma operação limpa prateleira, coisa de mulher" e afirmar que nenhuma das três perderá "o lado mãezona". Vamos trabalhar, minha gente varonil.
Há uns 15 anos, uma juíza rigorosa e irônica, minha amiga, comentou que só poderíamos comemorar a igualdade entre os sexos "quando as mulheres incompetentes também fossem promovidas, e não apenas as mulheres três vezes mais competentes". Espero que não seja o caso porque torço pelo Brasil, pelas reformas, pela estabilidade. E acho um nojo essas disputas palacianas que visam apenas ao bem-estar dos políticos. Não passam de chantagens. Ideli já foi avisada. Se os pedidos de grana não forem atendidos, o governo vai sofrer novas derrotas em votações no Congresso. É o bolso, e não a consciência, que está em jogo.
Criticar as três por não serem políticas profissionais demonstra certa condescendência com o estado de coisas. Estamos todos satisfeitos com o exercício convencional da política em Brasília? O toma lá dá cá. As conspirações, os desmandos e as infidelidades partidárias. A República das gravatas listradas ou vermelhas. Dos mocassins. Dos ternos apertados nas barrigas estufadas. Do suor. Dos cabelos precocemente acajus. Das amantes e filhos bastardos. Dos casados com moças que poderiam ser suas netas. Mas, pensando bem, seria ridículo criticar o vice-presidente e os congressistas apenas por serem homens.
Me cansa esse discurso viciado de que a presidente e as ministras, "apesar de mulheres, têm fogo nas ventas". É clichê demais. Não me orgulho porque temos três mulheres no poder. Minha torcida é pelo Brasil. Nomear uma ministra só por ser mulher é muita tolice. Menosprezá-la só por ser mulher é mais tolice ainda. É fraqueza. Não faz jus a machos e fêmeas minimamente inteligentes.